Resenhas

Rumer – Into Colour

Terceiro álbum da cantora inglesa é um deleite para os ouvidos

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Ano: 2014
Selo: Warner
# Faixas: 11
Estilos: Classic Pop, Aor, Jazz Pop
Duração: 44:46min
Nota: 3.5
Produção: Rob Shrirakbari

Rumer me lembra Amy Winehouse pelas razões menos importantes. Ambas tem/tiveram suas carreiras marcadas por uma eficiente reconstrução estética em termos musicais, seja num decalque maquinado do Soul clássico dos anos 1960, seja na apropriação das referências do Pop radiofônico americano dos anos 1970. No caso de Rumer, a doçura de sua voz, a habilidade de recriar as sonoridades ensolaradas ou acinzentadas sob o prisma da obra de gente como Burt Bacharach ou The Carpenters é notável. Mais ainda: a voz da cantora inglesa de ascendência paquistanesa é absolutamente deliciosa, com uma semelhança espantosa se comparada ao registro vocal de uma das mais importantes cantoras de todos os tempos: Karen Carpenter.

Into Colour é o terceiro álbum de autoria de Rumer em quatro anos de carreira, ao longo da qual desenvolveu uma série de problemas psicológicos advindos do sucesso que conquistou. Ela se recuperou de transtorno bipolar e estresse pós-traumático, tudo por conta de sair do anonimato total para o estrelato em um espaço tão curto de tempo. A julgar pela delicadeza das canções, essa realidade barra pesada jamais seria plausível, porém, uma olhada para a carreira da própria Karen Carpenter já nos mostra o quão enganadoras as aparências podem ser. Dito isso, você já pode se deliciar com mais uma entrega musical da cantora. Into Colour, como já dissemos, é um eficiente exercício de retomada, sem qualquer possibilidade de degeneração numa onda meramente nostálgica. O Pop dourado que Rumer produz é atemporal, fruto de uma escolha e de uma abordagem personalíssima da canção popular, com resultados muito superiores a uma Adele, por exemplo. Ou à própria Amy.

Com produção de Rob Shrirakbari, namorado de Rumer e arranjador de produções recentes de Burt Bacharach, Into Colour dá uma elegante sacudida nas pistas de dança na faixa de abertura, Dangerous, mas o faz com pé firme nas produções da saudosa gravadora Salsoul, que teve seu período áureo na metade da década de 1970, quando músicos do selo Philadelphia International resolveram latinizar sua produção. Reach Out já chega em seguida, com arranjo suave, voz de veludo e um inequívoco flügelhorn (um instrumento de sopro derivado do piston), marca registrada das produções bacharachianas do período. You Just Don’t Know People é sobrinha-neta das gravações de [Dionne Warwick], talvez a mais precisa intérprete das canções de Bacharach e Hal David. Baby Come Back To Bed é outra filha direta dessa ambiência sonora característica. Lembra as canções que emplacavam as trilhas sonoras das novelas setentistas, tão chupinhadas e recriadas hoje.

Play Your Guitar tem linha de baixo belíssima e bateria elegante, com arranjo de cordas precioso. Sam é lenta, meditativa e dedicada a um ex-namorado do passado. Better Place é suave, com flautas, vocais no estilo “coração de mãe” e um piano onipresente, que conduz a melodia com desenvoltura. Pizza And Pinball é outra canção verdadeira sobre relacionamentos, criticando o cotidiano opressor dos dias atuais e seu efeito nas relações pessoais. Butterfly é digna de figurar em álbuns menores de [Carpenters], com letra falando de renovação e passagem através dos momentos mais complicados da vida. O final com I Am Blessed tangencia levemente as abordagens do R&B ultralight.

O tipo de canção que Rumer oferece está praticamente extinto no mundo. Não tem relação com as baladas que gente como Beyoncé ou Katy Perry ocasionalmente grava ou com pastiches nostálgicos como Michael Bublé e tem na sinceridade das letras, no apego às tradições musicais de outra época e na capacidade de tornar tais canções atuais e fascinantes, o maior trunfo.

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BOM PARA QUEM OUVE: Ed Motta, Norah Jones, Adele
ARTISTA: Rumer
MARCADORES: Aor, Classic Pop, Jazz Pop

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.