Resenhas

Ramonzin – Circo dos Motivos

Em um trabalho que relembra o passado mas olhando sempre o presente, estreia do rapper traz algumas das melhores batidas e rimas de 2014

Loading

Ano: 2014
Selo: Moustrack
# Faixas: 18
Estilos: Hip Hop, Rap
Duração: 53:36
Nota: 3.5
Produção: Du Brown

Passaram-se quatro anos do lançamento de Se Ela Soubesse…, primeiro single de um disco que levou mais tempo que o esperado para sair do forno. Nesse período em que tantas coisas aconteceram – eleições, copas do mundo, derrotas e vitórias inimagináveis – fomos apresentados a mais alguns poucos exemplos do que poderíamos esperar de Circo dos Motivos, estréia do rapper carioca Ramonzin. O que podemos dizer é que algumas vezes a espera compensa e este disco é uma dos grandes momentos do Hip Hop Brasileiro em 2014.

Composta em instrumentais distintos – misturas de samples com orquestrações ao vivo -, temos uma produção que valoriza diversos ritmos: Samba, Funk Brasileiro, R&B, todos mesclados com batidas e rimas de um rapper conhecido pelo seu modo freestyle de rimar. As batalhas de Rap de Lapa no Rio de Janeiro e as origens do morro do Juramento de Ramonzin fizeram com que todas suas influências criassem uma essência lírica única e, acima de tudo, raivosa. Traz à tona problemas cotidianos ao mesmo tempo em que rima sob letras tiradas de Chico Buarque (O BPM da MPB), loops de guitarra na faixa título(“atrás de uma grande sonhou com liberdade, não libertinagem, separa os lúcidos da insanidade”) ou constroí tudo isso sob uma levada sexy em Barracão de Zinco.

No entanto, o que valoriza o trabalho é a incansável vontade de Ramonzin verbalizar tudo o que sente, enxerga e imagina. Se as rimas rápidas, quase sem ar, fazem um fã do gênero vibrar e dizer: “esse cara é realmente foda”, a falta de entedimento e de um ouvido pouco treinado com Rap poderia ser prejudicial para o grande público. A solução foi trazer participações sexy, precisas e que realçam o papel da voz dentro da música negra, assim atrai quem só está atrás de um certo romantismo e sensualidade no seu dia a dia, como na ótima Corrreia, com Karla Silva, Shaw e Shadow, em que seu refrão universal (“quem tá na correria vai entender, só com muita luta pra fazer valer”) feito a partir de um flow de Jazz Rap nos faz voltar nos tempos aúreos do estilo.

Aliás, está é uma busca constante do rapper, relembrar os eternos reis do Rap – citações a De La Soul, Racionais MC’s ou Marcelo D2 são só alguns exemplos encontrados aqui, sempre auxiliados por batidas nada comerciais no sentido de como o Hip Hop se comporta atualmente, mas extremamente acessíveis por realçar suas origens na voz, letras ou instrumental – a gaita de Mulher Verdadeira é um grande exemplo. Sai a ostentação, entra o relato cotidiano, sai a expansão megalomaníaca para construções em baixos BPMs e o resultado é puro suíngue. Só mais um Zé faz tudo isso com quase um cochicho, enquanto Golden Era, com Nina Black, é daquelas faixas para colocá-lo em outro patamar e chamar atenção da cena como um todo.

Se o trabalho não traz elementos inéditos ao Hip Hop, a sua construção e capacidade de nos fazer olhar para o passado, ao mesmo tempo em que temos relatos diários raivosos com um lirismo sensual, fazem de Circo dos Motivos uma baita estreia de Ramonzin. Em 18 faixas, somos jogados ao Funk em No 130, ao que nos fez olhar o rapper com atenção na ainda excelente balada Se ainda Soubesse… e nos faz pensar no que fez o Rap evoluir em Rascunhos. Coincide uma vontade de explorar influências e origens para fazer uma trabalho autoral, acessível e extremamente rico – daqueles discos para ouvir no fone de ouvido indo para qualquer lugar ou simplesmente colocar num encontro íntimo. Logo, não importa o seu motivo, pois a certeza é que o disco te acompanhará em algum momento da sua vida.

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: MC Plano B, SANT, Rashid
ARTISTA: Ramonzin
MARCADORES: Hip Hop, Ouça, Rap

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.