Se Quarup é o ritual de trazer os mortos à vida para os povos da região do Xingu, Quarup parece ser um pré-luto que Lupe de Lupe faz de si mesma. São 21 faixas ao longo de 110 minutos de composições trabalhadas desde o lançamento de Distância que percorrem toda a gama criativa da banda. Como se em uma tentativa de mostrar seu potencial antes que seja tarde demais.
Isso faz mais sentido quando vemos que o álbum é dedicado a um amigo falecido neste ano. Fica a impressão daquele choque de realidade do quanto a mortalidade está sempre próxima e que nada é mais natural na vida do que seu fim. Daí a urgência em mostrar quem se é ao mundo e do que se é capaz.
Quarup tem dois lados bem distintos – A e B, ou “positivo” e “negativo”, como dizem os músicos -, cada um com um espírito próprio. O primeiro é mais melódico e conquista pela sinceridade de versos cantados com um sorriso (ou mesmo riso) e pela simplicidade. Já o outro traz o lado mais sujo da banda, com as distorções e o peso que já víamos ao longo de sua carreira.
Essa é outra impressão que fica ao longo do disco: Um grande resumo do que Lupe de Lupe já fez antes, com um natural (e positivo) passo à frente. Pode parecer irônico dizer assim, mas o quarteto nunca foi tão direto ao ponto no que queria comunicar quanto neste álbum duplo. Seus argumentos, com palavras ou não, são claros: Provas de que a melhor qualidade da banda, desde Recreio (2011), continua sendo a liberdade de criar e falar aquilo que acredita.
E, ao ouvirmos Quarup, fica a sensação também da missão cumprida ao vir, viver e vencer mais um baita desafio que colocou sobre seus próprios ombros. A maior qualidade do disco não é ser duplo, sua variedade sonora ou o comprometimento com o espírito Lo-Fi. Seu maior mérito é ser sincero ao ponto de causar um certo desconforto no ouvinte, aquela sensação voyeur de escutar calado a uma sessão de terapia, confissão ao padre ou desabafo entre amigos.
A vida até aqui mostrou que isso é Lupe de Lupe, uma banda de honestidade. E se RJ (Moreninha) diz para nunca confiarmos em alguém de mais de trinta anos, tenho mais mês ou outro para afirmar cada uma dessas palavras na sinceridade de quem também habita o território da juventude com a postura de, se não ter medo do seu fim, querer prolongar sua própria vida e a juventude em si o quanto der.