Resenhas

The Waterboys – Modern Blues

Novo álbum da banda escocesa atualiza mistura de Dylan com influências celtas

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Ano: 2015
Selo: Harlequin & Clown
# Faixas: 9
Estilos: Rock, Rock Alternativo, Folk Rock
Duração: 50:57min
Nota: 4.0
Produção: Mike Scott

The Waterboys, antes de mais nada, é o grupo do grande cantor e compositor escocês Mike Scott. É mais uma dessas bandas que seguem carreira por décadas sem que uma única canção toque nas paradas de sucesso ou apareça em alguma fonte de informação, seja jornal, revista, MTV ou Internet (escolha você também a sua preferida de acordo com a idade). Quando resolve lançar um novo trabalho, os iniciados sentem como se o grupo estivesse presente por todo o tempo e não é diferente com este novíssimo Modern Blues. Na verdade, a banda teve um momento de sucesso fora dos domínios do Hemisfério Norte, entre 1985 e 1988, quando lançou dois belos álbuns: This Is The Sea e Fisherman’s Blues. A temática de ambos os discos (e da própria banda) girava em torno da junção de imagens tradicionais do Reino Unido (sobretudo Escócia e Irlanda) conectando-as com uma verve dylanesca e uma noção de modernidade meio caótica, criando canções híbridas e muito belas.

Mesmo que o sucesso tenha sido restrito, Scott continuou com seu projeto, gravando álbuns com frequência e cultivando uma base de fãs muito leal e constante. Passou incólume pelos anos 1990, adentrou o novo milênio com brio e só recorreu à nostalgia recentemente, quando relançou Fisherman’s Blues numa versão sêxtupla sensacional, que gerou uma temporada de turnês e apresentações especiais. Para o novo álbum, Scott decidiu mudar de ares, deixando Dublin, a cidade onde reside, para gravar as canções em Nashville, do outro lado do Atlântico. A intenção era encontrar, segundo ele, um clima de competição. “Queria estar num lugar que ainda tem sua indústria de estúdios funcionando bem, saber que, a algumas quadras de distância, Jack White estaria gravando seu álbum e, mais além, The Black Keys também”. Para dar ainda mais veracidade, foram arregimentados o tecladista Paul Brown, o guitarrista Zack Ernst e David Hood, baixista do mitológico estúdio local, Muscle Shoals. Com este espírito, temos o simpático Modern Blues.

As canções do disco se mostram fiéis ao título. Scott se vale de seu talento literário e seus vocais de Dylan das Highlands para revisitar a velha e eficaz equação do Folk e suas releituras de reflexões e experiências, não importando onde você está ou de onde veio. Na abertura Destinies Entwined, em meio a uma levada clássica de Rock atemporal, pontuada por guitarras, teclados e um baixo pulsante, Scott desfila suas anotações de caderneta sobre o amor e o quanto este pode desafiar ou fazer pacto com o acaso para acontecer. November Tale, canção que vem em seguida, traz um andamento mais lento, cheia de citações preciosas de Soul Music sulista da virada dos anos 1960/70, muito dela criada na própria Nashville ou na vizinha Memphis, com cordas e progressões de acordes sutis e inserção de backing vocals. Uma belezura só. Still A Freak surge inexorável, misturando Glam Rock, teclados, letra raivosa sobre ser quem se é, tudo isso em meio a um clima hortifrutigranjeiro de canção meio rural, mas não daquelas que se ouve com capim entre os dentes. A mitologia Rock, dado sempre constante nas criações de Mike Scott, surge brejeira na confessional I Can See Elvis, com o versinho singelo I can see Elvis, skinny like he was. Um primor de observação da passagem do tempo aplicada às pequenas frases.

The Girl Who Slept For Scotland revisita os recentes movimentos de independência do país com lirismo e um arranjo instrumental setentista implacável, cheio de malandragem de estúdio e maturidade de FM, desembocando num refrão grandioso e atmosférico. Rosalind (You Marry The Wrong Guy) surge com approach roqueiro tecladista clássico e a intenção de jogar na cara daquela pessoa o seu maior e mais definitivo erro. Quem já fez isso, sabe do que estou falando. Beautiful Now é mais alegre, arejada, luminosa e amiguinha, em sua mensagem de aproveitar o agora. Boa mesmo é a levada vanmorrisoniana que Scott e seus asseclas imprimem em Nearest Thing To Hip, atualizando o Blues/Folk/Soul celtas à beira mar e levando-os para o interior, numa entrada/bandeira musical ianque, tudo personificado em vocais de apoio femininos se intercalando com teclados e metais. O fim com Long Strange Golden Road, como o título já entrega, é jornada de britânico fascinado pelo imaginário musical americano, algo que é mais velho que andar à pé. Tudo funciona.

The Waterboys prometem nova turnê para divulgar este novo disco, com desejo de torná-la mundial. Esperamos que seja no sentido real do termo, seria sensacional ver Mike Scott, de tantas glórias e tradições, no universo paralelo ao das paradas de sucesso e do burburinho fácil, frente a frente num palco brazuca. Enquanto vamos sonhando, ficamos com essa belezinha de disco que é Modern Blues.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.