Resenhas

The Charlatans – Modern Nature

Novo trabalho da banda de Manchester dá um balão na tristeza

Loading

Ano: 2015
Selo: Chrysalis/BMG
# Faixas: 11
Estilos: Rock, Rock Alternativo, Indie Rock
Duração: 46:49
Nota: 4.0
Produção: The Charlatans e Tim Spencer

Não é balela: a produção musical inglesa do início dos anos 1990 é tão rica que dá até raiva. As pessoas tendem a esquecer esse momento, privilegiando apenas o Rock da Velha Ilha a partir do estouro de Blur e Oasis, mais precisamente em 1993/94. Antes disso, houve um prestigioso momento de experimentação, de mistura de Rock clássico (The Rolling Stones era a banda de cabeceira desta gente) com batidas dançantes contrabandeadas das noites de ferveção em clubes como o Hacienda, em Manchester. Não por acaso, de lá vieram formações como Stone Roses, Happy Mondays e The Charlatans, que enfrentaram vários obstáculos para cravar seus nomes na memória dos jovens ingleses de então. Nenhuma delas teve uma carreira estável, exceto pela última, considerada a menos interessante e luminosa das bandas de lá.

As gravações deste novíssimo trabalho foram encampadas pela tristeza advinda da perda do baterista fundador, Jon Brookes, morto por conta de um câncer cerebral. A banda decidiu seguir com os planos e recrutou Gabriel Gurnsey (Factory Floor), Stephen Morris (New Order) e Pete Salisbury (The Verve) para revezarem-se na bateria e percussão e entrou em seu próprio estúdio Big Mushroom e se saíram com um belo exemplar mutante de Rock de ontem e de hoje, com classe, domínio das ações e lirismo exemplares. Eu diria que parece algo feito em 1995, mas a impressão que as músicas não dão é que, se ele fosse lançado naquele ano, soaria à frente de tudo que era feito então, dando a pinta de um candidato discreto à atemporalidade em termos dessa sonoridade de “Madchester”.

Modern Nature é um desfile de grooves meio tortos mas dotados de total sentido, embalados por teclados psicodélicos autênticos, vocais sempre sonados de Tim Burgess e a tríade de bateristas, que conseguem segurar a onde lindamente. A fusão do chacundum de guitarras com o timbre californiano de teclados em Let The Good Times Be Never Ending funciona como uma espécie de tutorial para o disco, mostrando ao ouvinte qual é a proposta temporal dos sujeitos. E lembra também que, apesar dos pesares, este não é um trabalho triste e nostálgico, mas uma resoluta declaração de sobrevivência misturada com reflexão sobre a passagem do tempo. Outros bons exemplos de sonoridade neste esquema vai e vem estão na batida eletrônica e orgânica ao mesmo tempo da bateria, confundindo ouvidos, que são surpreendidos pela entrada dos vocais de Burgess. Fraseados de guitarra dão o tom de tudo. So Oh tem ambiência aquática de guitarras e um revestimento azul claro de céu depois do almoço, coisa bonita pra valer. Come Home Baby se permite usar pianos elétricos discretos para marcar o ritmo e ceder espaço ao baixo sinuoso e gorducho, que preenche espaços.

Keep Enough tem um clima espantosamente Soul, naquela variação “banda inglesa tenta fazer música negra”, um nicho querido e cheio de bons representantes ao longo do tempo. Falando nisso, In The Tall Grass ostenta percussão e clima lisérgico que a colocam em sintonia com a clássica Sympathy For The Devil (adivinha de que banda?) numa impressão que não dura mais que trinta segundos. Emilie é mais rápida, dançante e igualmente bela, enquanto I Need You To Know tem crocância de guitarras logo no início, suportada por teclados bem intencionados e grandiosos, configurando-se a canção mais retrô do álbum. Lean In é Rock, invocada na medida certa e com levada aerodinâmica recém-saída do túnel de vento do bom senso Pop. Trouble Understanding não tem a menor vergonha de se valer de batidas noventistas vintage para introduzir sua proposta de andamento, aquela mistura midtempo de letra boa, baixo curvo e melodia que abraça o ouvinte. O final com Lot To Say novamente alia teclados setentistas, batidas dobradas de bateria e um vocal mais espacial que o resto do álbum, conduzindo uma bela melodia, que tenta escapulir pela janela do quarto ou de onde quer que você esteja.

The Charlatans já marcou uma excursão pelo Reino Unido para divulgar o álbum, na primeira semana de março, com várias datas já vendidas. Vamos ver como estas canções – claramente favorecidas por uma bela produção em estúdio – vão se portar em cima de um palco. A julgar pela garra e persistência habituais do grupo, todo mundo sairá ganhando. Se você não conhece, caia dentro, se você tem saudade, mate-a lindamente com este novo álbum.

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: Happy Mondays, Oasis, Kasabian

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.