Resenhas

All We Are – All We Are

Trio multinacional estreia com bom álbum de Pop sexy e discreto

Loading

Ano: 2015
Selo: Double Six
# Faixas: 11
Estilos: Dreampop, Eletrônico, Indiepop
Duração: 44:04min
Nota: 3.5
Produção: Dan Carey

Vamos a uma pequena introdução globalizante sobre All We Are. Trata-se de um trio originário de Liverpool, mas nenhum de seus integrantes é nativo da cidade. Guro Gilkling, a vocalista e baixista, é norueguesa; Richard O’Flynn, baterista, é irlandês e o guitarrista Luis Santos é brasileiro. Em comum, o fato dos três frequentarem o Liverpool Institute Of Performing Arts, uma daquelas instituições de ensino de arte britânicas que costumam dar ao mundo pintores, escritores e músicos em quantidade razoável. A sonoridade que praticam? Segundo a página da banda no Facebook, fazem algo chamado Psychedelic Boogie. De acordo com uma resenha recente deste primeiro álbum na revista americana Spin, o som do trio está próximo de algo que os críticos chamaram de Domestic Disco. Após deter meus velhos ouvidos sobre tantos e tantos sons ao longo da vida, posso afirmar que Guro, Luis e Richard fazem Pop. O bom e velho Pop.

As coisas começaram a acontecer quando lançaram um EP em 2011, seguido por uma pequena sequência de singles colocados na rua entre 2012 e 2014. Após alguma visibilidade e uma turnê autossustentada pela Inglaterra, o trio foi contratado pela gravadora Double Six, que é um braço pouco conhecido da badalada Domino. E daí veio este primeiro álbum homônimo, saindo agora lá fora com certa ebulição. O motivo é simples: esses três tem noção para pegar influências Pop douradas dos anos 1970 (não adianta, gente, o ouro musical ainda está naquela década), reempacotar com algum verniz oitentista com apego pelo R&B/Soul de branco da época e revestir tudo com uma languidez natural, vinda do entrelace de vozes, do instrumental esparso, mas consistente e de acordo com a proposta da banda: fazer música para ser ouvida à surdina, no escuro da sala, na penumbra do quarto. Não é música pra transar, no sentido estrito, mas imagino que ela não deve fazer feio na ocasião, caso necessária seja.

A primeira canção, Ebb/Flow, antecedida por uma introdução climática, já entrega a pegada oitentista de All We Are, a partir do surgimento dos climas guitarras e efeitos, misturados com linha de baixo sinuosa e a voz gelada de Guro, na boa tradição ártica das cantoras escandinavas de boa procedência. Mas há algo além dessa descrição: a melodia é bem feita, a levada é harmoniosa e o instrumental, potencialmente monótono, se põe a favor da canção, sem abrir mão da competência. Stone, que vem a seguir, mantém a pegada em meio a uma bateria que parece fora de compasso e com floreios de guitarra a princípio, mas novamente surge a tendência proletária do trio em jogar a favor do resultado final. Feel Safe, um dos singles do álbum, poderia ser mais fluida, mas o grupo parece gostar da oscilação entre climas mezzo rápidos, mezzo dança sensual na frente do espelho.

Honey, a melhor faixa do álbum, traz a voz de Guro em falsete, lembrando às vezes Prince, algo que também é ajudado pelo instrumental funkeado e acrílico que o trio expõe. I Wear You é parente próxima, seguindo no terreno dançante/privado/sexy da coisa, algo que já não acontece com a próxima canção, Keep Me Alive, que parece algo gravado nos anos 1990, com guitarras lineares e produção elegante, com vozes elegantes e numa onda Funk de branco. Go é baladinha elegante de mocinha que passeia ao fim de tarde com elegância discreta e casual, com uma garrafa de água mineral, talvez num anúncio de perfume, talvez de verdade. Do meio pro fim a canção muda e persegue uma musa Pop ainda noventista, mas acessível. Utmost Good é mais uma criação cremosa por dentro e crocante por fora, visando fins libidinosos chiques com relativo sucesso.

Something About You é balada belíssima, climática, com guitarras serpenteantes, que se transformam na última canção do álbum, Life Of Seven, com comichões de seis cordas em meio a bateria marcial e climas aveludados aqui e alhures. A voz de Guro encarna uma dessas vocalistas com vestido tubinho negro, que apareciam em clipes de Robert Palmer ou Bryan Ferry. Tudo funciona no exercício de sedução ao ouvinte, apanhado entre a produção e o gelo seco da chanteuse. Ao fim das contas, a estreia do trio é bastante interessante, mostrando que os sujeitos entraram em estúdio com a ideia de criar um disco de nuances, com espaço para o ouvinte se apropriar dele como quiser. Um álbum à antiga, mas que equaciona a modernidade líquida de hoje com elegância.

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: Houses, The xx, Scissor Sisters
ARTISTA: All Are We

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.