Resenhas

Ibeyi – Ibeyi

Estreia das irmãs gêmeas Naomi e Lisa Kainde tem sonoridade moderna e tradicional ao mesmo tempo

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Ano: 2015
Selo: XL Recordings
# Faixas: 13
Estilos: Neo Soul, Eletrônico, R&B Indie
Duração: 46:04
Nota: 4.0
Produção: Richard Russell

Houve um tempo em que os cantores, cantoras e bandas vinham exclusivamente dos Estados Unidos e Inglaterra. Não que só houvesse talento nestes países, mas não era possível conhecer as produções de outros lugares do planeta há até bem pouco tempo. É um exercício curioso imaginar se tomaríamos ciência do trabalho de Ibeyi, duas irmãs de origem cubana, que cantam em inglês e iorubá, nascidas e radicadas em Paris. Provavelmente não, o que nos dá certa alegria em viver num tempo mais integrado, mas sabendo separar o talento exótico do “meramente exótico”. As irmãs Lisa Kainde e Naomi Diaz se encaixam na primeira categoria, evidentemente. Filhas do percussionista cubano Miguel Angá Diaz, as moças nasceram em Havana e perderam o pai quando ainda eram adolescentes. Foram para a Cidade Luz por influência da mãe venezuelana, Maya, que as incentivou também a cantar.

Seja como for, Ibeyi, o disco, oferece um sutil e delicado painel musical contemporâneo. Não há qualquer traço de saudosismo ou aceno ao passado de forma convencional, no máximo o uso bem feito de referências e influências de forma totalmente pessoal. O ponto de partida estético é a música Eletrônica para as pistas de dança, mas não para a banalização dos movimentos, mas para a abertura ao universo de percepções e detalhes que as irmãs oferecem. A produção do craque Richard Russell ilumina o caminho e oferece ao ouvinte uma elegante variação de Trip Hop ou qualquer outra subdivisão recente da música Pop que envolva nuances e tons, digamos, acinzentados. Pois é. Não é canção tropicalóide com pessoas cantando e dançando lambada ou salsa.

O maior exemplo desta bela solução está em Ghosts, terceira faixa do álbum, com levada de piano e batidas dançantes marciais, que evoluem para algo imemorial e dinâmico, ainda muito moderno mas ancestral como um banho de rio perto de onde nascemos. Curiosamente, esta relação entre água doce e origem vem descrita na canção seguinte, River, que fala justamente sobre isso com cantos ao longe, percussão sintética imprevisível e a alternância das vozes das irmãs, num canto-resposta que pode estar incluído no repertório da humanidade desde que alguém resolveu pintar a caçada na parede da rocha. Aqui, como já foi dito, parece isso, mas também parece Paris à noite. Outra bela canção, Mama Says, é cheia de ruídos percussivos, mas também tem seus espaços preenchidos por um piano maior que a vida, mas que se mantém discreto e opta por fazer figuração para as vozes, verdadeiras estrelas do álbum.

Emoção maior chega em Yanira, em homenagem à irmã mais velha, que faleceu há pouco tempo. Há a reverência pessoal, em plano privado e familiar que, a partir de algum momento, se transforma num lamento de várias vozes. A sensação de estarmos a milhas de distância de qualquer confusão contemporânea é reconfortante e estimula o cérebro a imaginar algum tipo de cerimônia fúnebre não totalmente triste, que parece terminar nos pensamentos de saudade que temos por quem amávamos e que já não está mais tão fisicamente perto.

O primeiro disco de Ibeyi – gêmeas em iorubá – é um pequeno milagre que confunde o tempo e o ouvinte, oferecendo detalhes, silêncios, respiração e humanidade, tudo isso a partir da mescla de presente, ancestralidade e futuro tangível. Audição pra lá de recomendada.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.