Resenhas

The Prodigy – The Day Is My Enemy

Banda retoma o melhor de seu trabalho em novíssimo álbum

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Ano: 2015
Selo: Take Me To The Hospital/Cooking Vinyl
# Faixas: 14
Estilos: Eletrônico, Rock, Rock Alternativo
Duração: 56:09
Nota: 4.0
Produção: Liam Howlett

Permitam-se um floco de flashback: The Prodigy gozava de um senhor prestígio lá nos anos 1990 justamente por conseguir trazer algo inegavelmente Rock à sua maçaroca sonora eletrônica-distorçida-nuclear-apocalíptica. A ordem era fazer tudo antes que o mundo passasse dessa pra melhor, sem limites ou censura nesse comando. Com a presença de criaturas como Keith Flint, uma espécie de Johnny Rotten mutante, e Maxim, com lentes de contato brancas e aparência de caçador de recompensas de filme sci-fi, a banda era, na verdade, a representação da mente doentia de Liam Howlett, produtor, DJ, figura soturna e criatura da noite. O que ele queria com The Prodigy? Colocar em música todo o caos cultural e comportamental que regia a Grã-Bretanha naquele tempo, com mil facetas, sons e rostos. Podemos dizer que o feito foi alcançado em 1997, quando o grupo soltou seu terceiro álbum, The Fat Of The Land, um disco fundamental para entender o que era a música naquele tempo, talvez com mais precisão que medalhões do quilate de OK Computer, de Radiohead.

Impressionantes dezoito anos se passaram desde então. Howlett e seus capangas estiveram na ativa, soltaram quatro álbuns, um deles um setlist de Howlett, sem chegar perto do que fizeram de melhor mas que deixaram seu público atento o bastante para aguardar algum trabalho que recuperasse a velha forma. Pois bem, ele chegou na forma deste incendiário The Day Is My Enemy, cujo título vem retirado de uma composição de Cole Porter, chamada All Through The Night, com o verso “the day is my enemy, the night is my friend” (“o dia é meu inimigo, a noite, minha amiga”). A receita ainda é a mesma, com o plus de conter um bom chute em fundilhos eletrônicos de gosto duvidoso, algo tão comum hoje em dia, fazendo lembrar que a boa música pode existir com suporte digital sem abrir mão da criatividade, da intervenção de seus criadores e da capacidade de modificação constante que a eletrônica permite, mas que também pode significar acomodação e preguiça em alguns. De qualquer maneira, o que sai das caixas de som é uma sucessão de pequenas hecatombes musicais de quatro minutos de duração, nas quais o mundo vem e vai, prédios explodem e conceitos viram de ponta-cabeça. Os vocais de Flint parecem vir das profundezas do inferno e as muralhas sonoras erguidas por Howlett, apesar de não conterem novidades ao que era feito antes, funcionam muito bem.

O ataque sonoro das quatro primeiras faixas equivale a um desembarque aliado na Normandia do nosso quarto, com uma operação de descompressão sonora em andamento, promovida pelas batidas, pelos efeitos, pelas vozes, pelas guitarras processadas, pela coisa toda. A faixa título chega com tamborins amplificados e ordenados como bate estacas, dando sustentação para a voz finíssima de Martina Topley-Bird como se fosse uma Ella Fitzgerald urbanóide e à alternância de timbres e climas. O primeiro single, Nasty, tem a aerodinâmica de batidas e vocais que se tornaram marca registrada da banda, além dos apitos e esconde-esconde de guitarras e efeitos. Rebel Radio é canção de subterrâneo, de rave, de gente dançando antes dos alienígenas chegarem e tomarem conta de tudo. Essa impressão de ajuste de contas volta na canção seguinte, Ibiza, que é um pescotapa nos DJ’s superestrelas que ficam picareteando com seus sets na beira das praias do balneário espanhol achando tudo sensacional. O ataque inicial arrefece, finalmente, com Destroy, que diminui a intensidade sem abrir mão da cadência e das batidas em multidireções.

Com a chegada de Wild Frontier e Rok-Weiler, o disco dá uma pisada no freio, apesar de ambas ainda conterem energia e alternativas em maior número que quase tudo feito na área. Beyond The Deathray funciona como uma vinheta que cumpre papel de atiçar o ouvinte por uma engatada de marcha que não chega a acontecer e fica suspensa durante a mediana Rhythym Bomb, mas que acontece em Roadblox, rapidíssima e neurótica, com alternância de velocidade e dança. Get Your Flight On mantem o estado de coisas e introduz o pancadão de Medicine, com samples de música árabe e convite para dançar em meio ao caos, abrindo caminho para Invisible Sun, com pinta de pesadelo lisérgico e o fecho triunfal, com Wall Of Death, com turbilhões de sons, processados ou não, suportando as vozes de Flint e Maxim, que estão por toda parte.

The Prodigy não pretende inventar a roda ou uma nova sonoridade a esta altura do campeonato da música popular em 2015, até por já ter feito algo bem próximo disso há quase 20 anos. Talvez por isso, talvez por uma renovada disposição, o grupo voltou a fazer música relevante. Este é seu melhor trabalho em 17 anos e dá muita vontade de ver o que esse pessoal pode fazer num palco hoje em dia. Discão.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.