Resenhas

Cícero – A Praia

Terceiro álbum do músico preenche lacunas de forma e conteúdo entre suas duas obras anteriores

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Ano: 2015
Selo: Deckdisc
# Faixas: 10
Estilos: Pós-MPB, Indie, Rock Alternativo
Duração: 31'
Nota: 3.5
Produção: Cícero e Bruno Schulz

Há uma grande tentação em observar a terceira obra de um artista como a conclusão de uma trilogia. Pois bem, sucumbindo ao desejo, A Praia vem como a aresta de um triângulo que Cícero começou a desenhar em Canções de Apartamento (2013) e deu continuidade em Sábado (2013). O novo disco tem papel de trazer as informações que preenchem o espaço que poderia ser percebido entre os álbuns anteriores em forma e conteúdo, firmando assim, de vez, a identidade do músico.

Isso é percebido desde que você vê o título (nem necessariamente ouve) a música de abertura, Frevo por Acaso nº2, continuação da faixa de encerramento do disco anterior. Ela retoma os temas que Cícero comentava nas entrevistas da época de sua estreia: Ter largado a carreira de advogado para viver de música (“Papeis, documentos; velhas normas de comportamento, na rotina de sol e cimento amanhecemos”, e concluir com “Vou sem culpa pela Via Dutra”, comentando também sua mudança para São Paulo). Após tanto conversar sobre o assunto, chegou a hora de cantá-lo.

A faixa título vem logo em seguida com arranjos de cordas para contar um romance que faz sorrir – algo que ainda não tínhamos visto dessa forma na obra do artista -, com direito a uma citação a Ortopedia, da banda Rua, uma das melhores de 2014. Na sequência, Camomila surge como forte candidata ao posto de favorita dos fãs com o emblemático verso “Só um pouco de paz pra levar, pro dia passar bem” sendo repetido ao final – recurso utilizado pelo artista desde o primeiro álbum (como esquecer de “É sexta-feira, amor”?) que aparece também em De Passagem (“E tudo foi desbotando até desaparecer”).

Antes de concluir a primeira metade do álbum, já ficou claro que ele é também um meio do caminho entre os outros dois musicalmente – ou melhor, uma intersecção entre eles. As canções são menos preenchidas de camadas que no primeiro, porém bem mais encorpadas do que os sussurros do segundo. Certamente, ter Bruno Schulz novamente na co-produção, alguém que co-escreveu toda essa história desde o início, foi determinante pra todas as semelhanças e particularidades do lançamento.

O Bobo retoma o carnaval do primeiro disco antes de um dos momentos mais bonitos do disco: Soneto de Santa Cruz, faixa carregada de nostalgia que retrata o bairro suburbano no qual Cícero cresceu. Com o vocal multiplicado em camadas ao final, fica evidente o quanto o músico pensou A Praia também para os palcos, uma atitude talvez inédita em sua carreira (ele não esperava tantos shows com Canções e certamente não era o espírito por trás de Sábado). Pode esperar por um dos momentos mais bonitos da próxima turnê sendo o artista utilizando os pedais para reproduzir a introspecção da faixa.

Isabel (Carta de um Pai Aflito) traz metade do sexteto Baleia para cantar sobre alguém que não quer sair de dentro de quatro paredes pra vida acontecer – algo que quem escreveu Canções de Apartamento bem entende. A vista da janela aparece novamente em Albatroz (outra forte candidata a favorita), com o pôr-do-sol descrito por entre os prédios. As variações de humor, e o quanto o ouvinte mergulha em cada música, nos lembra de uma das principais características do artista: Como tudo o que ele faz possui naturalmente forte carga emocional.

Isso vem de uma vez em Cecília e a Máquina, que, não bastasse construir a beleza em meio aos barulhos urbanos, retoma a personagem de Cecília e os Balões do primeiro disco em uma melodia que poderia ter sido composta ao lado de Canto Cego e Laiá Laiá. É a prova definitiva do quanto o triângulo ficou formado entre os três discos, com vários elementos já conhecidos fazendo figuração em A Praia (até o caminhão de gás de Fuga nº 3 da Rua Nestor faz seu retorno) e fazendo sorrir qualquer um que acompanhou a carreira do músico desde o início.

Para concluir, Terminal Alvorada mostra de uma vez por todas o quanto o novo álbum acrescenta ao triângulo: É a dose de felicidade que faltava na obra de Cícero. “Faz um tempo eu não sei o que é saudade” é o verso que encerra o disco, após uma das músicas mais leves que ele já lançou. E a alegria não chega estranha na discografia justamente por vir acompanhada de todos esses elementos familiares à produção do artista. Ainda assim, esse invejado estado de espírito pode ser um dos pregos na cruz que arrumarão para o álbum – já que, se existe sempre uma resistência da parte de muitos na hora de conviver com a alegria do outro, isso é ainda mais grave quando trata-se de alguém bem sucedido e admirado por tantos, como ele.

A Praia ser lançado como conclusão da “trilogia” não indica, em hipótese alguma, o encerramento da carreira do artista. Pelo contrário: Agora que as lacunas entre os dois discos anteriores foram preenchidas, Cícero está mais livre do que nunca para criar o que bem entender. Até um próximo lançamento, veremos a turnê mais coesa que ele já fez, agora que as novas músicas não apenas se misturam com as anteriores, mas dão liga entre elas. É o disco que Cícero precisava fazer e, o tempo dirá, que os fãs queriam ouvir.

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BOM PARA QUEM OUVE: Banda do Mar, Phill Veras, Jan Felipe
ARTISTA: Cícero

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.