Resenhas

TORRES – Sprinter

Segundo disco da cantora coloca temas mais maduros em pauta, como a dualidade entre ódio e amor

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Ano: 2015
Selo: Partisan Records
# Faixas: 9
Estilos: Rock Alternativo, Folk
Duração: 45:00
Nota: 4.0
Produção: Mackenzie Scott

Acontecimentos pivotais normalmente desempenham um papel fundamental na vida de um artista. Eles são a fagulha que pode incendiar uma fogueira criativa e transformar pensamentos em composiçoes, quadros e expressões. No caso de TORRES, algumas coisas a levaram a criar a sua autointitulada obra de estreia de 2013: religião, término de relacionamentos, ciúme e uma cicatrizante relação maternal se materializariam em um disco denso, cru e extremamente pessoal. Dois anos após tal relato, os papéis parecem ter se invertido e Mackenzie Scott mostra-se agora poderosa, ainda que a fragilidade do que não podemos controlar a afete profundamente.

Tal poder vem de um disco propriamente de Rock Alternativo com guitarras distorcidas, presença de membros de Portishead e PJ Harvey e composições que saem do ato de simplesmente “pensar” para o “agir”. A cantora nos entrega do começo ao fim uma obra superior a Torres e tudo isso vem também de uma produção muito mais expansiva e da confiança que seu disco anterior carecia. Entretanto, a vulnerabilidade de relacionamentos e a fugacidade da vida se cristaliza em faixas que exprimem o título de seu segundo disco, Sprinter. A vontade de viver imensamente e a sabedoria que nosso tempo na Terra é curto colocam-na como a corredora do título em busca do entendimento desse processo e o medo que a cerca.

Em entrevistas recentes, a cantora conta sobre sua relação com a religão, dada a sua criação em uma casa batista, assim como o pavor de perder alguém próximo por morte. Isso nos aparece em faixas como na obscura Son, You Are no Island, que coloca TORRES na voz de um Deus andrógeno que quer passar para ela a sua impotência diante dos outros (“you don’t get to choose what stays and goes”), e em The Exchange, melancólica e emocionante canção que pavimenta a história de sua mãe adotiva e todos os que morreram nela em uma analogia com um afogamento. Esses momentos nos mostram o amadurecimento da cantora ao lidar com temas ainda mais profundos da mesma forma crua que estamos acostumados, mas o poder de seus relatos pessoais ganha profundidade quando guitarras ásperas trazem raiva, algo que não surgia em toda a fragilidade de Torres.

Strange Hellos e New Skin, pelo contrário, não são nada imponentes, ainda que ambas elevem o status da intérpreta norte-americana – sua voz se divide como o símbolo chinês Yin Yang mostrando duas facetas, uma raivosa e outra amorosa (como aparece na capa do trabalho). A segunda faixa, aliás, mostra que o seu lado roqueiro tem a ver com a nova pele que Scott porta: o medo que a cerca parece lhe dar forças para querer viver e dizer tudo que sente. Já na faixa-título, uma deliciosa levada roqueira a coloca diante de um padre que foi pego vendo pornografia, analogia certeira com a descrença que a acomete na vida e que a coloca, mesmo assim, de pé diariamente.

Sprinter é um relato definitivo de uma jovem que no auge de seus 23 anos tem questões e problemas que as vezes passam de seu controle: esses que te consomem como se acometessem culpa, mas que, na verdade são simplesmente o ato de viver e entendimento dos processos que passamos. Nesse disco, essa passagem é um misto de amor e ódio repleto de canções melancólicas e densas que colocam Mackenzie Scott a interpretá-la de forma poderosa e sincera. Suas novas composições demonstram que todo o entusiasmo que existia ao redor de seu disco de estreia se cristalizou, na realidade, em uma das jovens vozes norte-americanas mais talentosas de sua geração.

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BOM PARA QUEM OUVE: Angel Olsen, Cat Power, Sharon Van Etten
ARTISTA: TORRES

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.