Resenhas

Lucas Arruda – Solar

Segundo álbum do multiinstrumentista capixaba é superlativo

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Ano: 2015
Selo: Favorite Music
# Faixas: 11
Estilos: MPB, Funk, AOR
Duração: 52:27
Nota: 5.0
Produção: Lucas Arruda

Houve um tempo em que três vertentes musicais se fundiram aqui no Brasil: o Funk’n’Soul setentista, oriundo de grupos como Kool And The Gang ou Earth, Wind And Fire; o Smooth Jazz, transformado por gente como George Benson, Grover Washington Jr ou George Duke e uma música essencialmente brasileira, feita a partir de algum parentesco com a Bossa Nova, principalmente levada à frente por Marcos Valle e o grupo carioca Azymuth. Juntos, esses três caminhos se mesclaram e formataram a produção – obscura – de muitos artistas, que vieram e se foram com rapidez, mas que ajudaram a criar uma atmosfera solar, carioca e bonita ali pelo fim dos anos 1970. Lucas Arruda, se valendo de talento, pesquisa e feeling, conseguiu compor e gravar um álbum que resgata completamente esse tipo precioso de canção, tornando-a novidadeira e fresquinha para uma multidão de gente que se acostumou a falar dela apenas com o pretérito perfeito. Solar, seu segundo trabalho, é um achado e – se tudo der certo – vai arremessar sua carreira para um patamar de grande destaque.

Por enquanto (e infelizmente), Lucas ainda é privilégio quase exclusivo do público fora do país. Essa música genuinamente brasileira é apreciada muito mais fortemente na Europa e o no Japão, onde Solar foi lançado pela gravadora francesa Favorite Records. Ironia globalizada invertida ou algo assim. O trabalho de Arruda é sério, resultou numa estreia meticulosa com Sambadi (2013), que se valia das mesmas fontes inspiradoras, mas se preocupava talvez demais em fazê-las soar atuais. Com o novo álbum, Lucas descobriu que a novidade de trazer um gênero quase extinto para um 2015 praticamente deserto de novidades, pode colocá-lo numa espécie de dobra temporal que será eficaz para neófitos no santificado terreno da música negra, bem como soará como carinho em ouvidos cansados de tanta gente ruim usando termos como Soul ou Funk para definir seus estilos.

Com participação do produtor americano Leon Ware – parceiro de Marcos Valle nos anos 1980 – e um dos responsáveis pelo colossal álbum I Want You, de Marvin Gaye, além do baixista de Azymuth, Alex Malheiros e da cantora portuguesa Guida de Palma, Solar é uma festa. Canções lentas e climáticas se espalham por todos os cantos, sem pressa para acabar e cheias de detalhes ocultos. Melt The Night, por exemplo, traz a participação de Ware e enfia chacundum de guitarras, baixo engordado e o elegante Fender Rhodes de Arruda numa levada sensual e típica da produção setentista, mostrando que a decisão de gravar as bases do disco na Finlândia, numa mesa analógica de 1978, conferiu um elegante tom vintage ao disco, mais que isso, tornou-o quase atemporal. Água, por sua vez, tem efeitos de ondas quebrando e belezuras à beira-mar numa tarde numa Copacabana que só existe no pensamento do ouvinte. A faixa-título tem sintetizador típico que simula a sonoridade linda e marcante de Summer Madness, clássico de Kool And The Gang.

A participação de Guida se dá na belíssima cover de Stop, Look, Listen (To Your Heart), sucesso de Marvin Gaye e Diana Ross em 1974, previamente gravada pelo sensacional grupo The Stylistics três anos antes. Arruda bagunça o original o suficiente para mostrar que não é um mero revisionista da canção, mas um sujeito capaz de entender a mensagem original da música Pop, a de transformar e achar seu próprio caminho enquanto diverte e causa espécie no ouvinte. Em Beyond The Sea, os sintetizadores e guitarras servem como moldura para letras em inglês, aliás, bem mais presentes neste segundo trabalho que em Sambadi, mostrando mais segurança e personalidade por parte de Lucas e sua visão musical. O fecho com Rio 82 é a coração desse resgate/recriação da música brasileira nessa época, cheia de insinuações que reveem a produção de Lincoln Olivetti, mas sem o som agudo das batidas eletrônicas primitivas que o velho produtor usava em suas criações, aqui sua influência só surge mesmo no clima Samba-Soul que se insinua pelas caixas de som.

Não se engane, Solar não é nostalgia pura e simples, tampouco uma obra datada, é, sim, um passeio guiado por um conhecedor a um tempo injustamente remoto da música brasileira em um de seus momentos mais internacionais, com propriedade e criatividade. Disco superlativo, é barbada na lista de melhores de 2015 e pode pleitear – apesar de temporão – um lugar entre as mais inspiradas criações surgidas a partir da fusão entre música brasileira e ritmos negros.

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ARTISTA: Lucas Arruda
MARCADORES: Aor, Funk, MPB, Ouça

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.