Resenhas

Jim O’Rourke – Simple Songs

Produtor e multinstrumentista lança álbum Pop e Experimental ao mesmo tempo

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Ano: 2015
Selo: Drag City
# Faixas: 8
Estilos: Art Pop, Pop Alternativo, Experimental
Duração: 37:33
Nota: 4.0
Produção: Jim O'Rourke

Enquanto esteve produzindo discos mais ou menos convencionais nos terrenos do Pop e do Rock, Jim O’Rourke nunca foi previsível. Com formação erudita, versado nos terrenos da música contemporânea, seja ela Eletrônica, minimalista ou “normal”, Jim sempre procurou trazer um pouco da esquisitice/estranheza desses outros setores musicais para as produções de gente como Wilco, Sonic Youth, Stereolab e Superchunk, entre tantos outros artistas com quem colaborou. Em meio a esta tradição, de vez em quando, O’Rourke também lançava seus álbuns solo, não necessariamente imersos nos domínios da música Pop, mas, da mesma forma que nas colaborações, sempre havia algo de alquímico em seu trabalho. Nem tão Pop, nem tão esquisito, nunca banal ou previsível.

Não espanta que seu novíssimo trabalho, Simple Songs conserve esta característica primordial. Jim é preciosista, só colocou seus álbuns solo em formato digital neste ano, mantém sua rotina de colaborações jazzísticas ou eruditas mas montou seu quartel-general no outro lado do mundo, mais precisamente em Tóquio. De lá, mantém sua rotina de produção e colaborações, mas está nitidamente mais fascinado pelo universo de possibilidades da música não-Pop. Sendo assim, um disco “convencional” do homem é motivo de celebração e sua anuência com esse tipo “fácil” de canção, já no título, faz de Simple Songs um alvo considerável de curiosidade e interesse. E a primeira revelação que surge da audição do álbum é que, como poderíamos esperar, ele é um trabalho de sutilezas e detalhes. Não convém esperar que Jim tenha voz marcante ou habilidade neste ou naquele instrumento, mas o grande lance é observar/ouvir o trabalho de quebra-cabeças que o sujeito propõe no ciclo de oito canções. Nada está ali por acaso ou por algum motivo que não seja absolutamente intencional. É quase um disco de estratégia.

Com O’Rourke na guitarra e um time de músicos japoneses sob seu comando no estúdio, o álbum é um convite à contemplação. Algumas canções são longas, sem pressa para acabar, contrapondo calma à urgência típica do Pop ou das tais “canções simples”. Há várias passagens instrumentais que não são solos, mas pequenos espaços misteriosos que surgem na própria melodia, preenchidos ora por flautas, ora por metais, ora por cordas, tudo servindo como peças de decoração numa lógica de músicas guiadas por piano ou guitarras. Há influência nítida da noção espacial do estúdio, desenvolvida e aperfeiçoada por gente como Robert Fripp e Brian Eno lá no início dos anos 1970, década que também poderia receber a paternidade pelo padrão de Pop que O’Rourke escolheu como ponto de partida. Friends With Benefits, a faixa de abertura, inicia com interessante progressão, na qual a simbiose entre bateria e guitarra se destacam. A voz de Jim é mero detalhe, apesar de aparecer bem mais competente do que poderíamos esperar de alguém que não tenha este hábito. As progressões são intrincadas, surgem vocais de apoio do nada, o piano parece ir para outro lado e cordas fantasmas se insinuam aqui e ali. Quando menos se espera, a melodia muda, a canção se transforma e algum vestígio das suítes instrumentais de [Cat Stevens]() surge. Tudo belo e muito bem feito.

Outro bom exemplo é a sintomática Half Life Crisis, que tem andamento decalcado das boas canções de Elton John por volta de 1973. Mesmo assim, novamente o clima da música é assombrado por intervenções inesperadas de vocais de apoio e alterações inesperadas, lembrando um pouco da produção que Brian Wilson vinha desenvolvendo nos anos 1960 antes de sofrer o colapso nervoso que o retirou dessa função por tanto tempo, obrigando The Beach Boys a se reinventarem. Hotel Blue tem talho próprio para o Pop, diante de seus pouco menos de três minutos e meio de duração, toda ornamentada como balada com ritmo quebrado de bateria e jeito tristonho. These Hands, igualmente curtinha, já oferece um panorama mais bucólico, permanecendo numa encruzilhada Folk urbana muito bela, novamente lembrando algo de Cat Stevens. Last Year, a melhor canção do álbum surge logo após, com várias alternâncias de possibilidades, todas amarradas em torno da exploração de diferentes timbres de guitarra e violão, tudo colocado a serviço dessa mesma veia Folk urbana meio atemporal.

Simple Songs é um trabalho personalíssimo de um sujeito que preza boas influências e as entende como mecanismos de exploração de várias possibilidades na música que faz. Jim O’Rourke oferece um bom exemplo de “Pop Erudito” em seu novo álbum e o faz pertencer a uma rara extirpe de discos fora de parâmetros, que se governam a si mesmos, livres de convenções e propícios para a exploração. Caia dentro.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.