Resenhas

Fábio de Carvalho – Tudo em Vão

Músico tem pouca idade, mas já fala com propriedade das dores da vida

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Ano: 2015
Selo: Geração Perdida de Minas Gerais
# Faixas: 10
Estilos: Lo-Fi, Spoken Words, Alt Rock
Duração: 46:54
Nota: 4.0
Produção: Vitor Brauer

Nada é em vão quando se escolhe o risco e a coragem de se expor ao mundo. Contrariar o nome do disco de estreia de Fábio de Carvalho, Tudo em Vão, talvez seja a melhor maneira de definir o álbum. Há bastante intimidade compartilhada nas dez músicas, e essa exposição acaba contribuindo para delinear uma identidade, tanto pessoal quanto musical.

A idade do compositor e multiinstrumentista não é uma informação circunstancial. Aqui, ela aparece como discurso e como motor lírico. Os 17 anos do mineiro inspiram um sem-fim de dúvidas, uma porção de recriminações (“eu sou tão envergonhado que as pessoas vão parando de ficar do meu lado”), autodiagnósticos (“sou um neurótico”), e muita, muita vontade de se descobrir relevante no mundo. Espere, portanto, relatos de pura rotina, embebidos em inércia ou tédio (“Eu só quero férias, pelo amor de Deus”). Ou relatos melancólicos, atraídos por desilusões amorosas e questões afetivas (“Eu nunca deixei as pessoas irem embora”). Espere também horinhas de descuido. Raras, mas presentes. Espere um diário aberto, com pouca privacidade, como rege a cartilha de convívio da geração que desliza antes mesmo de tocar.

O surpreendente é que o cancioneiro que Fábio escolheu para se expressar já chega com uma boa carga de autoria, mesmo nos momentos em que os arranjos conversam com o Rock Alternativo americano dos anos 90. Se fôssemos falar de referência, eu arriscaria dizer que o disco dialoga com nomes tão díspares quanto Slowdive, Legião Urbana, Ludovic, Teenage Fanclub e Mt. Eerie, mas não há sentido em conectá-lo a um repertório de alguém da década de 80 (no caso, eu). Fábio é de uma geração que está exposta a tudo e, ao mesmo tempo, a nada. Pode ter ouvido todas as discografias que bem desejou, dos anos 50, 60, 70, 80, 90 e 2000. Pode deletá-las sem dó. E por poder tanto, sofre a angústia de ter de escolher. Eleger uma música para chamar de sua ou um caminho profissional, não importa: a inquietação é grande.

E aí, Fábio acolheu sua inquietude como virtude artística e colocou a cara para bater, por meio de letras confessionais e registros lo-fi bastante crus. Gravou o disco com a Geração Perdida de Minas Gerais, criada pela banda Lupe de Lupe para reunir músicos que não conseguiam espaço ou público na Belo Horizonte-natal.

A gênese da Geração Perdida é um dado interessante do momento musical brasileiro. Nunca se teve tanto canal para difusão das próprias músicas, mas nunca foi tão difícil capturar e fidelizar o público-alvo, disperso e avulso em meio a tanta oferta. Marginalizar-se do local de origem e buscar visibilidade em outros territórios não é tarefa das mais fáceis. As movimentações artísticas dessa safra mineira se transformam numa espécie de êxodo sentimental regurgitado em canções, com o ressentimento servido em generosas doses de criatividade.

As dez faixas são ricas em diversidade, tanto melódica quanto de arranjos. Há um grande mérito na versatilidade de Fábio, que gravou todos os instrumentos (exceto trompete), e na colaboração de Vitor Brauer (Lupe de Lupe), que tocou baixo e guitarra.

Sábado, entre 16h30 e 17h50 começa preguiçosa e ressaquenta para depois se avolumar em distorção, dando dor à constatação de que “eu preciso dela, mas ela não precisa de mim”. L’arrivée D’un Train À La Ciotat, 1895 e a bela Paz Imensa exemplificam bem as sonoridades variadas do disco.

A métrica desajeitada e muitas vezes truncada dos versos incomoda, mas não parece sem lugar no conjunto da obra. Ela revela imperfeições, sonhos, dissabores, temores e hesitações de um eu lírico bem específico, mas facilmente universalizados pelos ouvintes que já passaram por situações semelhantes na vida. Fábio sabe com quem e para quem está falando. Ele se dirige de igual para igual. Seus destinatários não querem conselhos, ordens ou limitações trazidas por gerações que se julguem mais sabidas. Querem histórias com as quais possam se afeiçoar, e sinal verde para falar de revolução após uma ressaca. Na adolescência, o que é a música senão o paraquedas de nosso drama interior que teima em varrer para debaixo do tapete seguranças, afirmações e autenticidades? É, em raro consenso, o momento em que a dúvida não atrapalha nossa existência, mas a define.

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