Resenhas

Helio Flanders – Uma Temporada Fora de Mim

Primeiro disco solo do músico desaproxima-se do trabalho com Vanguart em ambientação teatral

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Ano: 2015
Selo: Deckdisc
# Faixas: 9
Estilos: Indie Pop, Pop Folk
Duração: 37'
Nota: 4.5
Produção: Helio Flanders e Arthur de Faria

É interessante como o espírito Romântico (ou os de herdeiros contemporâneos do Romantismo) coloca sua amorosidade ao lado da mortalidade, como se a vida fosse o pêndulo entre os dois, de forma com que, se o segundo representa sua finitude, o primeiro mostra-se como sua finalidade.

Helio Flanders dá indícios de que bebeu dessa fonte diversas vezes ao longo de seu primeiro trabalho solo, em paralelo à banda com a qual ganhou reconhecimento (Vanguart) – a primeira faixa já repete o verso “Eu não vim nessa terra pra não morrer de amor”. Apesar do título Uma Temporada Fora de Mim, o que encontramos ao longo das nove faixas é um grande exercício de introspecção no que diz respeito a tratar de temas íntimos e puramente sentimentais – ou seja, aquilo que encontra no interior do ser seu habitat natural.

O “Fora de Mim” do nome parece ter a ver com os personagens assumidos pelo vocal de Helio em uma atmosfera quase teatral (sendo “temporada” também um termo frequente nesse universo). Isso pode ser mais evidente nas músicas com aspecto narrativo (como Major Luciana ou Um Grito), mas faz-se presente em vários detalhes, seja na participação de Cida Moreira em Dentro do Tempo que Eu Sou ou na interpretação descomedida do cantor.

A temática ora dramática, ora trágica encontra um clímax interessante em Romeo, parceria com Thiago Pethit que serviu como single principal no lançamento de Rock’n’Roll Sugar Darling , com o “você foi o mais perto que eu cheguei de morrer/se for pra morrer, eu vou” amarrando o conceito da obra em tame, enquanto a derradeira Cuyaba Tango explicita o ritmo argentino como uma das principais influências do álbum. São detalhes que revelam que o disco vai muito além de sua sensibilidade, mostrando-se também muito bem pensado.

Belíssimas faixas, como Onde a Terra Acaba, De Onde Você Vem e a própria Uma Temporada Fora de Mim carregam algo muito contemporâneo principalmente na bateria, o que adiciona uma honestidade interessante ao trabalho como um todo, desaproximando-lhe de alguma tentativa de ser visto como atemporal demais, ou apenas um “Romântico à moda antiga”. Ainda assim, não é difícil imaginar alguma resistência da parte do público, mesmo o que acompanha Helio com Vanguart há algum tempo, na palatabilidade não necessariamente convidativa que essas músicas juntas possuem.

Não se trata de um disco necessariamente difícil. É preciso, porém, uma abertura (ou uma certa boa vontade) para um diálogo com essa sonoridade, com esse nível dramático e, o que nem sempre é agradável, consigo mesmo nas emoções e sensações que a obra pode despertar no íntimo. Ora, sabemos que as paixões fulminantes e os amores quase letais, por mais exagerados que sejam (e é melhor que fiquem no plano das ideias mesmo, não na vida real), são temas que agradam multidões há milhares de anos. Contudo, mesmo no notável bom gosto do piano misturado aos timbres de cordas para acompanhamento do belo vocal do músico, pode existir uma resistência do ouvinte que assiste, no camarote de sua zona de conforto, ao eu-lírico jogar-se de um precipício emocional.

Uma Temporada Fora de Mim talvez não cumpra as expectativas que parte do público e da crítica sempre possui de que um lançamento marque época. Não é difícil afirmar, porém, que o álbum venha a se tornar uma referência pontual na história pessoal daqueles que estejam dispostos a não só observar o que acontece quando as cortinas se abrem, mas a viver o faz de conta junto ao ator. E se for pra morrer de amor do lado de cá do palco, que seja com uma trilha sonora assim.

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BOM PARA QUEM OUVE: Jair Naves, Beirut, Pélico
MARCADORES: Indie Pop, Ouça, Pop Folk

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.