Resenhas

Glen Hansard – Didn’t He Ramble

Cantor e compositor irlandês lança mais um álbum de qualidade incontestável

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Ano: 2015
Selo: Epitaph
# Faixas: 10
Estilos: Folk, Folk Rock , Folk Alternativo
Duração: 39:37
Nota: 4.0
Produção: Glen Hansard e Thomas Bartlett

Glen Hansard, se tudo der certo, há de ter fama, fortuna e notoriedade, jamais perderá a inspiração e, apesar de tudo isso, conservará a capacidade de compor, cantar e pensar sua música do jeito que vem fazendo há cerca de 20 anos, quando iniciou sua carreira em The Frames. Para você ter uma ideia, a banda de Hansard já foi considerada a segunda maior formação da Irlanda, atrás apenas de U2. O sujeito ainda tem um naipe considerável de crocâncias em seu currículo: é ator, já tendo atuado em musicais como The Commitments, séries como Parenthood e, mais destacadamente, no sutilíssimo longa Once, contracenando com a cantora/atriz tcheca Marketa Irglová. A química musical dos dois funcionou tão bem que eles montaram The Swell Season. Glen mantém em paralelo uma bela carreira solo inaugurada em 2012, quando soltou o bom Rhythm And Repose. Dois anos depois, ele volta com o segundo trabalho, este belo Didn’t He Ramble.

2015 tem sido bem produtivo para Glen. Lançou uma compilação de sucessos de The Frames, devidamente regravados e com uma música inédita. Depois, ele soltou um EP, It Was Triumph We Once Proposed – The Songs Of Jason Molina, trazendo releituras para gravações do cantor Folk, que adotava os nomes de Songs: Ohia e The Magnolia Electric Co ao longo da carreira e faleceu em 2013 por problemas decorrentes de alcolismo. Não satisfeito, Glen nos entrega este segundo álbum cheio de belezura. Em primeiro lugar, é notável o quanto suas gravações evoluíram em termos de arranjo, deixando de lado tanto o Rock noventista que The Frames exibia na época quanto o Folk agridoce que The Swell Season orgulhosamente ostentou por seus dois discos. Aqui, assim como no trabalho solo anterior, Glen se dedica a polir uma liga musical que descende tanto da bravura do homem comum, contida na obra de um Bruce Springsteen, passa pela beleza de uma referência irlandesa atemporal, expressa magistralmente por Van Morrison ao longo dos tempos e atualiza isto tudo através da aridez de Damien Rice, mas se sai muito melhor que este último.

O que move Didn’t He Ramble adiante é uma persona otimista e encorajadora que Hansard encarna, algo que vai direto no coração do ouvinte e que, por mais que possamos compreender o que ele canta, certamente sua mensagem é certeira para quem compartilha com ele certas experiências de vida. Mesmo assim, isto é apenas uma reflexão de crítico musical procurando cabelo em ovo. A beleza de canções como a abertura de Grace Beneath the Pines, com ares de amanhecer e de início de jornada em busca de objetivos na vida, seja um novo emprego, um/a parceir/a/o de vida, é latente e mantém-se forte por toda a canção. Belezuras de violões se entrelaçam na sintomática Wedding Ring, enquanto Winning Streak é uma clássica faixa springsteeniana, com ação de passando numa festa de formatura e em como isso pode significar esperança para as pessoas. Her Mercy é meditativa, verdejante, esparsa. McCormack’s Wall é clássica canção irlandesa, com inequívoca rabeca presente no fim, pontuando a melodia e dando o referencial geográfico necessário.

Lowly Deserter conjura bandolins, metais, rabeca e uma levada dolente, que remete a R.E.M e Bruce Springsteen ao mesmo tempo, abrindo passagem para a pastoril Paying My Way, que exibe bela tonalidade sépia e contemplativa ao violão, levando até a graciosidade noturna de My Little Ruin, à surdina, erguida na mente das pessoas que ficam acordadas e ouvem a casa toda adormecer, olhando para o teto como se fosse uma passagem para outra dimensão. Just To Be The One é canção estranha de amor, com metais e canto sussurrado enquanto o encerramento do álbum vem na acústica e mansa Stay The Road, quase uma prece.

A produção do álbum está nas boas mãos de Thomas Bartlett, que também pilotou o estúdio para o disco anterior, enquanto convidados como Sam Beam, o cérebro por trás de Iron & Wine, e Sam Amidon (colaborador e marido da cantora Beth Orton) conjugam a beleza das canções com Glen, obtendo um resultado belo e pungente, mesmo que pareça apenas frágil e sutil. É uma pequena aula sobre vários tons de beleza e suas diferentes interpretações.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.