Resenhas

Aeromoças e Tenistas Russas – Positrônico

Terceiro disco da banda paulista aposta na música instrumental de amplo espectro

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Ano: 2015
Selo: Tratore
# Faixas: 10
Estilos: 50:38
Nota: 3.5
Produção: Zé Vito e Martin Scian

Há músicos que pensam a música popular como uma entidade artística composta por melodia e letra. De fato, é uma fórmula bastante eficaz e antiga, que talvez vise atingir o ouvinte em várias partes do corpo ao mesmo tempo, produzindo, talvez, um efeito mais amplo. Há aqueles, no entanto, que não pensam assim ou que, simplesmente, não conseguem pensar em certa liberdade criativa que obedeça tal padrão. A banda paulista Aeromoças e Tenistas Russas chega ao terceiro disco fiel ao pensamento de que a liberdade e as mensagens da música popular cabem, sim, numa produção totalmente instrumental, deixando para o cérebro do ouvinte a responsabilidade de atribuir valores, paisagens, lembranças, situações à obra, talvez estabelecendo assim um vínculo mais forte que a música com vocais mais tradicional. Ou não, vá saber. O fato é que Positrônico, o novo trabalho dos sujeitos, chega com um conceito e deixa o resto por conta do ouvinte. E isso é bom.

Quem está familiarizado com ficção científica já ouviu o termo que dá nome ao álbum. É a denominação para inteligência artificial e todos os componentes que giram em torno do conceito. Dito isso, podemos pensar que o grupo bolou um álbum distópico sobre este presente que se tornou futuro rápido demais e que não era como nós pensávamos que seria. Nada de espaçonaves, nada de alienígenas, somente nós e os nossos demônios áridos e conhecidos, habitando o mesmo planeta Terra, cada vez mais desgastado pela nossa presença, cada vez mais parecido com uma cruza estranha dos mundos de filmes como Matrix, Interestellar e 1984, tudo ao mesmo tempo agora e sem cerimônia. Mas cada um pensa o que quer do futuro e a banda sabe disso, passando a bola para quem pousa os sentidos nas canções de Positrônico e deseja se apropriar delas por qualquer razão. A princípio seria fácil conectar o som do grupo com bandas como Radiohead, sobretudo no período entre discos como O.K Computer e Amnesiac, no qual seus integrantes ofereceram uma música intencionalmente estéril, em paralelo ao que víamos na virada do milênio e nos anos seguintes. Um clima de decepção e desorientação, além de um esforço imediato para se adaptar à vida que se insinuava ali: rápida, acima de tudo.

A ATR, no entanto, abre mão desse conceito e abraça algo mais plural. É música instrumental brasileira de 2015, mas que pode ser dos anos 1970, conectada com bandas alemãs como Can, mas também do século 21, passeando pela mesma alameda que Mogwai, Explosions In The Sky e Hurtmold. O primeiro single, 2036, tem poder de agressividade comprovado, mostrando que o som da banda não é só Post Rock, no sentido abstrato do termo, há momentos em que os timbres de sintetizadores, erguidos por Gustavo Palma, lembram algo de bandas veteranas e veneráveis como Genesis, caso de P2P, um belo título para os nossos dias de tanto e nenhum contato ao mesmo tempo. Lovejoy, logo em seguida, tem na utilização da guitarra seu maior trunfo, esbarrando em timbres e sonoridades pouco usuais para canções instrumentais relativamente longas (mais de cinco minutos), fazendo disso, entretanto, o seu maior trunfo. Leavitt, por sua vez, é mais dinâmica, com mais climas e nuances, mas igualmente calcada no diálogo entre guitarra e baixo, muito bem conduzidos por Gustavo Koshikumo e Juliano Parreira, respectivamente.

Baghdad Battery se arrisca levemente no terreno do Jazz Funk setentista, talvez sem ter muita consciência disso, turbinando a levada bem construída com guitarras distorcidas, deixando para o sintetizador um papel de gerador de caos ao longo da canção. Uhura, provável tributo à oficial de comunicações da nave da Federação Enterprise, é mais contemplativa, com pianos (a cargo de Donatinho) e texturas intencionalmente datadas de teclados, conferindo um ar vintage à canção, que também se aventura no terreno setentista dominado pelo Jazz. Kamaq vem logo após e apresenta alguma conexão com a música brasileira instrumental de contemporâneos como Hurtmold e ruído/mm, com ar cinematográfico. Peyote traz o trompete do convidado Pedro Selector num clima de Free Jazz turbinado por mais timbre intencionalmente espaciais dos teclados e uma guitarra que escala a canção com auxílio da boa bateria de Eduardo Porto. Nautilus já se aventura por uma música “mais orgânica” e brasileira, abrindo passagem para o encerramento com a mais bela canção do álbum, Unami, que poderia ser uma filha não reconhecida das ambiências do Clube da Esquina.

Aeromoças e Tenistas Russas prova que é capaz de entregar ao ouvinte uma música cheia de alternativas, nada monótona, com surpresas no caminho e um apreço pela aventura. As soluções encontradas não são monótonas e os integrantes da banda dominam seus instrumentos com criatividade. A produção poderia ter mais molho, mas o resultado é legal.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.