Resenhas

Julia Holter – Have You In My Wilderness

Cantora e compositora retrata relações contemporâneas em seu disco mais acessível

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Ano: 2015
Selo: Domino
# Faixas: 10
Estilos: Art Pop, Baroque Pop, Singer Songwriter
Duração: 46:00
Nota: 4.0
Produção: Cole M. Greif-Neill

Have You In My Wilderness é sobre relacionamentos, mas Julia Holter está longe de ser uma artista óbvia. A compositora não é a narradora de todas as suas canções, misturando de maneira imprevisível experiências pessoais e a voz de múltiplos contadores de histórias para enriquecer seu discurso. O escritor inglês Cristopher Isherwood, a romancista francesa Colette e o cantor e compositor Scott Walker são alguns dos nomes que compõem sua ambiciosa carta de referências para entender as relações amorosas mais intensas, às vezes abusivas.

Mesmo com Holter se considerando uma artista de seu próprio tempo, que retrata as relações como são hoje em dia, seu disco pede uma apreciação e uma atenção cada vez mais difícil de conseguir. Apesar do single Feel You descrever em um certo momento o romantismo bem contemporâneo daquele momento de silêncio entre um casal dentro de um carro no trânsito, seu disco raramente permite que trechos ou músicas sejam analisadas isoladamente desta forma. Have You In My Wilderness retrata os relacionamentos com as particularidades de hoje, mas ao invés de ser a foto numa rede social, é uma pintura impressionista.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Julia apresenta o conceito principal de seu disco, que faz referência a seu título. Ela conta que todas as faixas, de certa forma mostram uma pessoa convidando a outra para seu próprio mundinho, para sua selva particular de sentimentos. Talvez seja esta necessidade de convencimento constante, de identificação, que faça com que musicalmente, este seja seu disco mais acessível, mas sem nunca perder seu lado mais inventivo.

A experimentação no som de Julia não impacta tanto na estrutura da canção como Fiona Apple, por exemplo, são mais como brincadeiras com diferentes instrumentos e timbres que se misturam ao fundo, ambientalizando sua voz e de vez em quando tomando a frente, seja com um violino ou com o piano – instrumento na qual a musicista é formada. Esta limpeza no som, a separação clara entre o que é voz, o que é textura e qual instrumento é mais importante em cada momento é um trabalho do produtor Cole M. Greif-Neill, que já trabalhou com ela em seu disco anterior e também com nomes como Ariel Pink e Beck.

Na camada mais superficial de interpretação do álbum, o que chama a atenção é o contraste entre sua voz tecnicamente perfeita, delicada e reconfortante e suas melodias mais complexas, imprevisíveis, por vezes caóticas. Por isso, o disco causa constantemente uma sensação de perturbação, como se a personagem principal estivesse sempre entorpecida enquanto tudo a sua volta se desfaz.

Julia Holter faz uma música belíssima, inteligente e extremamente recompensadora para quem decidir entrar pra valer em seu som. Mas com exceção de algumas músicas, como Feel You, How Long? e Everytime Boots, seu trabalho apresenta muitas barreiras erguidas por suas letras não lineares, que exigem pausas para reflexão e um poder de associação e referências enormes para uma interpretação mais precisa. Have You In My Wilderness é uma declaração de amor da cantora ao próprio amor e como ele, não permite uma interpretação racional, é pra ser experimentado aos poucos e apenas sentido.

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.