Acompanhar a trajetória do trio carioca Ventre nos últimos anos tem sido um exercício interessante para entender o que é a música hoje. Alguns podem achar que uma boa banda deve ter bons discos, boas músicas, fazer shows inesquecíveis. Já se a discussão for sobre relevância, pode-se considerar a repercussão do trabalho entre crítica e entre outros músicos ou avaliar a base de fãs.
Desde 2013, já ouvimos Hugo Noguchi (baixo), Gabriel Ventura (guitarra) e Larissa Conforto (bateria) juntos. Primeiro com algumas faixas e, aos poucos, com alguns shows com um enorme fator boca a boca – era difícil a banda passar por alguma cidade sem causar algum falatório entre quem acompanha música independente com mais intensidade.
Por isso, é estranho avaliar o primeiro álbum completo do grupo, Ventre, e ignorar toda a bagagem que o acompanha. É difícil tratá-lo como um projeto novo, não apenas pelos mais de dois anos de desenvolvimento, mas também pela experiência prévia dos três integrantes em projetos de bastante reconhecimento. E também não é tarefa fácil racionalizar a audição de um disco tão intenso sem imaginar cada faixa em sua versão ao vivo, seja nos shows ou em algum vídeo ao vivo perdido pela Internet. Então o que explica este certo peso que a banda já carrega antes de lançar seu primeiro disco? A identificação.
Carnaval – apesar de ter sido composta há algum tempo -, mesmo sendo menos complexa e ambiciosa que outras, tem a letra mais importante para entender onde Ventre se encaixa e com quem se comunica. É uma daquelas canções que tem a função de traduzir em palavras aquilo que uma geração inteira sente. É aparentemente de interpretação fácil, mas não é óbvia, começa parecendo introspectiva, com reflexões individuais de um jovem conquistando seu próprio espaço, mas introduz um interlocutor misterioso em alguns trechos. É um contraste interessante entre a aparente independência que todos conquistamos em algum momento, mas que não significa estar sozinho, apenas lutando por objetivos e com companhias diferentes.
Já Quente é um exemplo ótimo para compreender a melodia e o estilo da banda. No álbum todo, esta é a faixa com a maior sinergia entre proposta da letra – com seu refrão potente-, intensidade dos vocais, riffs de guitarra bem livres e com o baixo e a bateria formando o corpo da canção -além de ser a que mais gruda na cabeça após inúmeras audições. O power trio conseguiu utilizar bem as melhores referências de Rock contemporâneo – Rock mesmo, sem especificações – e misturar um com um ritmo e uma energia clássicos da música independente e do Rock Alternativo brasileiros dos últimos anos.
Suas referências são fáceis de enxergar e há uma diferença de complexidade e temática entre cada uma das faixas, provavelmente por terem sido compostas em fases muito diferentes das vidas dos integrantes. Isso talvez seja o que torne Ventre uma banda de identificação tão rápida com seu público. O disco passa a todo momento uma sensação confortável de que seus protagonistas estão vivendo o mesmo que todos nós, ouvindo o mesmo que nós, mas sabendo se expressar de uma forma muito mais bonita e intensa.