Resenhas

Erykah Badu – But You Caint Use My Phone

Feixe de canções sobre a importância do telefone resgata gênese criativa do Hip Hop

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Ano: 2015
Selo: Universal
# Faixas: 11
Estilos: Rap Alternativo, Funk, Hip-Hop
Duração: 36:11
Nota: 3.5
Produção: Erykah Badu e Zack Witness

Enquanto cantoras como Beyoncé e Rihanna, apenas para ficarmos nas mais famosas, levam ao mundo uma variante pouco inventiva/instigante de música negra, gente ousada como Erykah Badu trabalha nos subterrâneos. Cantora de técnica apurada, compositora muito acima da média, encrenqueira, barraqueira, quase sempre genial, Badu, com o perdão da expressão, também não bate muito bem. Esta coleção de onze canções reunidas aqui compõem uma espécie de tributo temático que ela decidiu prestar ao … telefone. Não somente o meio de comunicação – atualmente em certa decadência frente à digitalização crescente da vida moderna – mas a uma suposta capacidade interdimensional do velho telefone, algo que uniria as pessoas mais do que qualquer outra causa ou avanço tecnológico vigente.

But You Caint Use My Phone não existe, por enquanto, em formato físico, estando disponível para venda nas boas plataformas de streaming da praça, contendo, de imediato, uma contradição em relação ao apego vintage pela invenção de Graham Bell. Pura implicância do resenhista, não repare, até porque, as canções reunidas aqui batem o proverbial bolão. Claro que há bastante esquisitice ao longo do percurso, mas, quase sempre, é um feixe musical que une as duas maiores características de Erykah: o apego pela Soul Music clássica, da conexão 1960/70, influência primordial via discos do pai e da mãe; e o Hip Hop oitentista original, aquela belezura de música urbana feita de forma pioneira por tantos abnegados esquecidos pela memória falha das novas gerações. De qualquer forma, de um jeito todo pessoal, Badu equilibra essas duas vertentes com maestria, construindo um painel bastante fidedigno de canções que têm o uso do telefone como mote. Pensando bem, essas canções e sua apresentação assumem a forma de uma mixtape, algo que ganha uma dimensão pessoal marcante.

Badu e o produtor Zach Witness demoraram doze dias para terminar os serviços. Na maioria das canções, Erykah faz releituras para outras composições, mas não se resume a fazer o que entendemos por “cover”, mas confere outros significados a elas, enfatizando detalhes, temáticas e ambiências, algo muito mais meticuloso que procurar se apropriar de obras alheias, ainda que cheia de boas intenções. Uma canção atual do rapper Drake, Hotline Bling, por exemplo, ganha novo título – Cel U Lar Device – e um tom dramático impensável no original, ainda que sua nova cara não seja tão distinta do original.

A faixa-título é inspirada em outra canção de Badu, Tyrone, do seu belo álbum de estreia, Baduism, lançado em 1997, que ainda segue atual. O lado de criança urbana setentista vem à tona com o uso de beats e inspirações apropriadas de um escopo de artistas que vai de Timmy Thomas, Isley Brothers, Usher, entre outros, à boy band New Edition, cujo sucesso de 1984, Mr. Telephone Man, outrora ingênua e saltitante, ganha uma quase-psicodélica abordagem contemporânea por estes lados. Nessa lógica, uma canção como Dial’Afreaq se afasta de suas roupagens originais, quando, por exemplo atendia pelo nome de Dial-A-Freak e fazia parte do repertório de Uncle Jamm Army. Em Phone Down, por exemplo, uma narrativa soturna conduz o ouvinte para uma espécie de R&B com tinturas góticas e cinzentas, estranho mas atraente. Hello It’s Me, clássico de Todd Rundgren, apropriado por The Isley Brothers no início dos anos 1970, ressurge como Hello lá pelo fim do percurso, com participação do grande Andre 3000 nos confusos vocais.

But You Caint Use My Phone é um exemplo de como as canções e experiências musicais alheias são parte decisiva da inspiração e do próprio processo criativo de artistas contemporâneos. O conceito que Erykah Badu atribui a estas gravações, o jeito como as reprocessa e o resultado final são muito próximos das origens do Rap/Hip Hop, mantendo intactas as conexões com formas anteriores de música negra, tornando todas as ramificações parte de um mesmo contexto. Bem legal.

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BOM PARA QUEM OUVE: D'Angelo, Kendrick Lamar, Prince

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.