Ainda seguindo a trilha de seu renomado Benji (2014), Mark Kozelek(Sun Kil Moon) continua com seu turbilhão mental narrativo, todavia agora amparado pela parceria de Jesu em seu álbum homônimo Jesu/Sun Kil Moon.
A colaboração entre Kozelek e Justin Broadrick, finalmente concretizada após alguns flertes entre os dois músicos, se mostra bastante evidente nas três primeiras faixas deste trabalho. Contudo, as três músicas que, sozinhas, somam quase vinte minutos de duração, não são, confesso, das mais convidativas.
Guitarras saturadas impõe-se insistentemente e tornam a cadência do início do álbum bastante morosa, quase como que para afastar os fãs menos dedicados. Todavia, a partir da quarta faixa, a atmosfera Eletrônica melancólica assume seu posto (excetuada a faixa Fragile, que poderia muito bem figurar em Benji) e a intenção do álbum parece encontrar seu equilíbrio.
No entanto, a insistência em seu estilo narrativo, assim como de suas temáticas que buscam na morte o seu peso dramático, Kozelek e Broadrick acabam por nos fazer olhar para o trabalho com um ar desconfiado.
Há cerca de duas semanas, tive a oportunidade de assistir o novo filme da artista experimental norte-americana Laurie Anderson, intitulado Coração de Cachorro (Heart of a Dog, 2015). Por mais que seu drama, uma espécie de documentário-autobiográfico-ficcional, tenha me causado uma boa impressão, dada sua beleza, a sensação residual de sua obra era, no fim das contas, de incômodo. Afinal, Anderson apela à emotividade do espectador.
Para se ter uma ideia (e sem arriscar muitos spoilers) Anderson vê na relação com seu cão (e, subsequentemente, na morte do mesmo) uma metáfora de seu modo de encarar a vida. O que poderia ser uma fórmula sensível e tocante (como de fato o é em algumas instâncias) acaba se tornando uma categorização de traumas emocionais sofridos por ela (como, por exemplo, no caso da morte de seus entes familiares mais próximos, entre eles, seu marido Lou Reed).
De certa maneira, tal sensacionalismo emotivo de Anderson é o mesmo que vejo em Kozelek, e, assim sendo, é, ao mesmo tempo, tanto o que me toca em seu trabalho quanto o que me afasta dele. Exodus é o exemplo perfeito deste modus operandi. Usando a morte do filho de Nick Cave como contextualização, Kozelek passa a elencar diversas situações em que os pais foram obrigados a assistir a morte de seus filhos, citando, entre os exemplos, a filha de Mike Tyson (que dá nome à faixa) e sua prima Carissa (da qual já ouvimos falar em Benji).
Não estou propondo, de forma alguma, que a estética deva novamente confundir os ideais de beleza com os de moral elevada, como fez tantas vezes ao longo da evolução de sua disciplina. Todavia, gostaria de chamar atenção para o fato de que, se Exodus é a faixa que mais chama a atenção em Jesu/Sun Kil Moon, se é seu exemplo mais sensível, devemos estar conscientes de que “sensibilidade” é essa que estamos falando. Será que Nick Cave aprovará o fato de que uma tragédia pessoal tão íntima seja o tema do trabalho de outrem?
Kozelek é uma figura masculina, ou seja, parece deliberadamente, ao menos em certa medida, se comportar de maneira viril. O nome de sua banda, por exemplo, é uma homenagem a um boxeador. A projeção privilegiada de seu nome – que ocorreu graças ao lançamento do ótimo Benji – resultou na postura incômoda do artista diante de outras bandas (vale lembrar o desentendimento com Adam Granduciel, que deu origem à faixa The War on Drugs Can Suck My Fucking Dick), diante de seu público (principalmente o feminino), e diante da imprensa.
Talvez pela necessidade (1) de se provar humano, (2) de provar que não se importa com as críticas negativas, ou mesmo, quem sabe, (3) provar que seus críticos estão equivocados, Kozelek veja a necessidade de incluir em suas letras algumas declarações de apoio vindas de fãs aleatórios (seja em Last Night I Rocked the Room…, ou America’s Most Wanted).
Ou, quem sabe, como um símbolo de todos esses fatores somados, seja por isso que, na faixa Beautiful You, quando suas bolas congelam com a água do mar, ele ponha toda sua existência em cheque (“once your balls are freezing, that’s all that matters”).
Embora estas sejam evidências que parecem contribuir para que o tom deste trabalho seja como é, acredito que falta-nos a principal: seu método narrativo. Desde Among The Leaves (2012), Kozelek aposta em uma escrita fluída, que pretende descrever obsessivamente fatos aparentemente banais do cotidiano e, assim, extrair deles a poesia que subjaz o meramente observável. Kozelek, portanto, desde então, coloca-se como um observador da vida.
Assim, essa escrita que obedece ao fluxo indiscriminado de seu pensamento acabou tornando-se sua marca registrada. Não por acaso, os temas de Jesu/Sun Kil Moon parecem partir de tragédias vindas do noticiário, ou seja, uma dimensão na qual a morte e o cotidiano se interpolam – no smartphone de um amigo, na tv do quarto de hotel ou no rádio do táxi. Ao tornar-se obsessivamente narrativo, Kozelek parece perder o critério, não sabe mais quando é o protagonista, quando é coadjuvante, quando as coisas que narra são banais, interessantes, apelativas ou sensíveis. Algumas destas questões, aplaudo pela ousadia, pela experimentação e pela sinceridade sem reservas dignas de um legítimo artista. Em outras delas, dadas tantas oscilações de tom, mantenho minhas ressalvas.