Resenhas

Field Music – Commontime

Grupo inglês apresenta Pop perfeito em novo álbum

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Ano: 2016
Selo: Memphis Industries
# Faixas: 14
Estilos: Pop Alternativo, Rock Alternativo, Rock
Duração: 57:37
Nota: 4.0
Produção: Peter Brewis, David Brewis

A primeira sensação que assaltou o pobre crítico musical ao escrever esta resenha foi: “como eu nunca ouvi um álbum de Field Music até agora, nesta minha existência?”. Pense neste questionamento feito com uma expressão de espanto no rosto, mas com uma ponta de felicidade por ter, finalmente, encontrado a boa música dos sujeitos. Uma breve introdução para os que, como eu, não conhecem os caras: Field Music é uma dupla de irmãos de Sunderland, Inglaterra. Eles já estão juntos há alguns anos, com uma carreira de cinco álbuns e alguns projetos paralelos. Foram pais há pouco tempo, decidiram voltar com seu grupo, formado por eles e mais um time de músicos convidados, para contar aos ouvintes como é a vida familiar, essa coisa de cuidar de criança pequena, ver novas e velhas obrigações ganhando e perdendo importância no cotidiano, coisas assim. A música que esta galera produz é do mais alto grau, puro Pop ganchudo, harmonioso, cheio de referências esquecidas dos anos 1970/80, que, ao invés de soarem como elementos para nostalgia ou cópia, surgem reinventadas, adaptadas carinhosamente para o nosso querido 2016. Parece simples e inevitável, né? Mas é bem difícil fazer algo assim com tanta formosura.

Esqueça a Eletrônica como mola-mestra da produção na música popular, esqueça os vocais tangentes ao Rap, esqueça tudo isso. O Pop que existe aqui é clássico, anglo-americano, flerta com o Funk de branco setentista, com o Progressivo em sua apresentação mais oitentista e popular, no sentido Genesis de Phil Collins do termo, e com formações inteligentes (e criminosamente esquecidas) como XTC, que tentaram – e conseguiram – atualizar harmonias beatle para a década de 1980. Misture essas refêrencias finíssimas, elegantérrimas, adicione uma dose de ironia britânica pós-milênio, um punhado de nerdismo de humor negro e um fraco para melodias próximas da perfeição e você terá uma ideia bem precisa do que Field Music oferece.

Você pode escolher sua canção preferida neste pequeno diadema musical que é Commontime: temos riffs de guitarra Funk por várias faixas, como nas quase gêmeas e inquisitivas Don’t You Want To Know What’s Wrong? e How Should I Know If You’ve Changed?, sempre atuando na construção de uma massa sonora que serve de passarela para vocais andarem com firmeza, além de proverem solinhos adoráveis e curtos, mostrando que tudo está no lugar e todo mundo está entendendo seu papel. Menção honrosa também para baixo e bateria, de verdade, tocados por gente, fornecendo pedigree para podermos chamar essas canções de genuínos Funks de branco, no sentido Hall And Oates do termo. Há uma variação do estilo, que surge logo na primeira canção, a sensacional The Noisy Days Are Over, na qual o modelo é a música de Talking Heads, com andamento diferente, mais intrincado, com as seis cordas fazendo outro tipo de aproximação, mas igualmente sensacional.

Disappointed, But Not For You e I’m Glad são outros bons exemplos da maestria Pop desta gente. Vocais de apoio estratégicos, teclados que brincam de esconde-esconde, bateria atuante, tudo amarrado com a intenção de fornecer melodias próximas da perfeição. De vez em quando surge uma balada etérea como Trouble At The Lights, que se transforma em canção lenta, dramática, sem final antecipado, enquanto They Want To Remember vem sorrateira com teclados e vocais que lembram bandas como 10cc ou XTC, criminosamente esquecidas da ordem do dia de influências. Há também canções que conseguem se equilibrar sobre todas essas variadas influências e conseguem soar como novidade, ainda que lembrem muita coisa ao mesmo tempo, caso de It’s A Good Thing. Também há espaço para o aceno ao drama orquestral que é The Morning Is Waiting For You, com floreios de cordas de nítida têmpera beatle, com andamento clássico.

As quatro últimas canções do disco servem como uma pequena demonstração das habilidades dos sujeitos: Indeed It Is tem andamento clássico oitentista, totalmente Pop e feita para as paradas de sucesso de algum momento suspenso no tempo; That’s Close Enough For You é adoravelmente torta e cheia de travas no andamento, pontuadas por violões e bateria, com grande performance vocal dos irmãos; Same Name é mais um funkão branquela de gente britânica cantando em falsete, que daria tudo para nascer no Harlem, enquanto Stay Awake é tão brilhante na soma de todas as influências do grupo que serve quase como uma apresentação acadêmica de como a música popular para as massas pode ser inteligente, bem tocada, bem cantada, nada ególatra, apenas feita com precisão e intenção de fazer cantar junto, batucar o ritmo da bateria ou despertar no ouvinte a vontade de tocar um instrumento musical.

Não percam tempo e corram atrás de Commontime. Certamente é o primeiro álbum que tem seu nome colocado na lista prévia que este crítico musical faz de melhores de 2016. Coisa muito séria e legal. Ouçam.

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BOM PARA QUEM OUVE: XTC, Genesis, Talking Heads
ARTISTA: Field Music

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.