Resenhas

Baleia – Atlas

Grupo carioca firma sua identidade como grande potência criativa na música de hoje

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Ano: 2016
Selo: Sony Music Brasil
# Faixas: 8
Estilos: Folk Psicodélico, Indie Folk, Pós-MPB
Duração: 37'
Nota: 5.0
Produção: Bruno Giorgi e Baleia

“Mais Breu do que Casa” era uma das únicas pistas que Baleia dava sobre Atlas no intervalo entre sua produção e o lançamento. Sem discordar de tal comparação, que utiliza duas das mais conhecidas faixas de Quebra Azul – a primeira sendo a preferida da crítica e a segunda, queridinha do público -, ela mostra-se hoje insuficiente ao não dar conta de revelar o aspecto popular que a obra possui, mesmo quando parece não tentar agradar ninguém, ou, menos ainda, o quanto os dois discos estão conectados, apesar de suas diferenças. Dito isso, escutar Atlas é deparar-se com uma alta e volumosa beleza – intimidadora, até – que prefere convidar o ouvinte a aventurar-se no fundo ao invés de contentar-se com qualquer rasa zona de conforto.

Antes de listar as diferenças entre os dois discos, há de se concordar que o primeiro já possuía tal característica justamente por isso fazer parte do que agora entendemos como a natureza do sexteto. Grande parte da beleza de sua obra vem de uma aparente sinceridade com que tudo é produzido, uma ambição que se encerra no “fazer boa música” ao invés do parecer, do ser mais isso ou do tentar assemelhar-se menos àquilo. De alguma forma, seja pelas melodias, pelas escolhas dos timbres ou mesmo pelas letras, há sim uma grande agradabilidade em tudo o que a banda toca, mesmo que soe demasiadamente “diferente” para alguns ouvidos. Atlas é cheio disso, talvez ainda mais do que antes.

Ele apresenta-se mais alto em volume (não parece ter sido feito para ser escutado baixinho), com todos os elementos mais pertos do ouvido, como se toda a banda estivesse na beira do palco (ou de nossas orelhas), a ponto de Quebra Azul, na comparação, parecer um disco tímido (!). Com a maturidade dos quase três anos de shows, veio a habilidade de um som mais direto, sem rodeios, que sabe argumentar a favor de si próprio ou do que quiser. Novamente, há uma grande ausência de refrões (ou, quando existem, não possuem letra), o que reforça o aspecto anti-Pop que muitos podem ver na obra, mesmo quando as estruturas de muitas músicas não fogem tanto assim do convencional.

O disco começa ironicamente na interrupção (ou “quebra”) chamada Hiato, uma canção ruidosa que não tem medo de expor uma letra com elipses e frases pela metade dentro de uma estrutura que pode ser vista como “estrofe-estrofe-refrão”, ou seja, Pop por excelência. Ela dá vez a Duplo Andantes, que, junto da estrondosa Estrangeiro, mostra-se como um dos picos de carisma do disco, capazes de causar sorrisos saltitantes (e ideais para os shows). Não por acaso, essas duas, com timbres de violão em grande evidência e percussividade, são as que mais serão responsáveis por arrancar o rótulo “Indie Folk” dos que insistem em tal classificação.

Mais uma vez, essas etiquetas são muito insatisfatórias para compreender a natureza Psicodélica de Triz (Ida) e Língua, ou a batucada assombrosa do single Volta. Há menos daquela qualidade brasileira/tropical de Motim e Furo 1 e mais do que convencionou-se chamar de Indie nesses últimos tempos, o que não diminui de forma alguma o contexto geográfico da banda – alguns dirão que, na verdade, reforça-o.

Antes do fim, Véspera vem como uma inédita canção de amor no repertório da banda, que traz mais uma vez os conflitos internos do eu perante o mundo exterior como seu tema central – e isso, acima de tudo, vem em perfeita continuidade àquilo apresentado em Quebra Azul. Há diversos paralelos entre as figuras de linguagem dos dois discos (monstros, dentes, o escuro, o pulo), como na derradeira, otimista e contagiante Salto, que parece comentar Sangue do Paraguai (Furo 2): Se antes “a imensa voz do cume/de perto, é só um frágil sussurro”, agora canta-se que “daqui a aí, não há perigo/é só ruído”.

Atlas vem cheio de narrativas de quem carrega o mundo todo em suas costas e agora brada seu lamento com a mesma força necessária para acordar todos os dias (como o primeiro álbum nos lembrava em Despertador), tudo em grande conformidade com o verso central de Quebra Azul: “O desespero de ser nada além de mim”. E é na necessidade de citar um disco para se falar do outro que tem-se a certeza de que, acima de qualquer diferença entre as duas obras, Baleia constrói uma discografia sólida que fortalece sua identidade como potência criativa e um dos ícones da música de hoje não por buscar algum ineditismo em seu formato, mas ao encontrar a originalidade de sua natureza.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.