Resenhas

The Range – Potential

Produtor utiliza a música Eletrônica como plataforma para um projeto muito mais ambicioso

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Ano: 2016
Selo: Domino
# Faixas: 11
Estilos: Electro Pop, Hip Hop Instrumental, Dubstep
Duração: 40:14
Nota: 4.0
Produção: James Hinton

James Hinton, produtor por trás do nome The Range, conseguiu criar em Potential, seu segundo álbum, um verdadeiro projeto artístico do nosso tempo. Sua apreciação é comprometida se for iniciada e finalizada apenas em sua música. É necessário entender sua metodologia e seus objetivos para compreender a beleza de seu mais novo trabalho.

Suas faixas se comunicam com muitas vertentes da música Eletrônica, mas sem se preocupar em inovar ou se distanciar do que a maioria das pessoas entende como parte do estilo. As bases que formam o que conhecemos atualmente como Dance Music e que também tem intersecção com a parte instrumental do Hip Hop são o corpo de seu trabalho, mas a alma está nos samples.

O americano se propôs a buscar como material para este projeto os vídeos musicais mais obscuros do YouTube, aqueles que simbolizam muito o que era o serviço antes da popularização dos canais. Covers feitos por anônimos e publicados para mostrar a uma dezena de amigos e composições pessoais feitas por pessoas comuns como válvula de escape da rotina diária formam boa parte de Potential e resumem a proposta do produtor.

Assim como qualquer caça talentos do YouTube, as visualizações são o critério inicial para chamar a atenção de Hinton, mas aqui, quanto menos, melhor. Ele começa seu garimpo com algumas palavras-chave e vai entrando num labirinto sem fim de vídeos relacionados e recomendados pelos algoritmos do site. Ao encontrar algum que reúna uma mensagem que lhe pareça autêntica, uma voz interessante e o principal, uma pessoa que pareça legal na vida real – parte mais difícil de se certificar -, ele entra num longo processo de conseguir entrar em contato com aquelas pessoas que podem ter gravado aquilo há anos, mudado de país, de email, ou até mesmo morrido.

Segundo ele, em entrevistas bem interessantes aos sites Pitchfork e The Verge, essa é a parte mais interessante do processo, já que as histórias daquelas pessoas e de como fizeram aquele vídeo sem compromisso são as mais variadas, mas também pela reação destes desconhecidos que muitas vezes já haviam esquecido que haviam gravado e publicado aquilo. James Hinton já havia utilizado este processo, de forma bem menos ambiciosa, em seu primeiro disco, Nonfiction (2013), mas só agora percebeu o real potencial disso – daí o preciso nome do álbum – e decidiu não apenas remunerar estas pessoas com percentuais dos direitos de patente das canções – que tem um potencial enorme de serem usadas como trilhas sonoras por aí – como também produziu um documentário – com lançamento previsto ainda para este ano – ao lado do diretor Daniel Kaufman para apresentar estes seus “colaboradores”, contar suas histórias e como elas se relacionam com a visão de mundo de Hinton.

Tudo isso pode parecer mais forma do que conteúdo, mas a viagem que entramos ao ouvir seu som extremamente matemático e começarmos a imaginar tudo que se passou na cabeça e na vida daqueles indivíduos utilizados nos samples chega a arrepiar. O maior exemplo está logo na abertura Regular, em que a frase que conecta a canção é “Right now I don’t have a backup plan for if I don’t make it”, impossível de não se identificar nos tempos de hoje em que discutimos muito sobre ousarmos mais nas nossas vidas e nas nossas profissões, mas pouco discutimos a alta probabilidade de que estas histórias inspiradoras não funcionem pra todo mundo.

O disco inteiro apresenta uma coerência suficiente pra entendermos aquilo como um projeto sólido e bem planejado, mas com uma variação necessária para nunca ficar entediante. Faixas como Copper Wire, Florida e Five Four realmente se destacam como singles e devem estar presentes em trilhas e festas por aí, mas o talento do produtor e a amplitude de sua sensibilidade musical ficam mais claros em faixas menos comerciais, mas em que procura compor um clima de forma mais gradual e orgânica como Falling Out of Phase ou So.

The Range consegue criar um trabalho que além de divertido, dançante e intenso, consegue transbordar os limites da música. James Hinton ilumina toda uma discussão sobre público e privado, sobre o alcance que as ferramentas digitais podem ter e nos faz pensar sobre o valor que podemos encontrar em algo sem precisar ter o selo de aprovação de alguém ou de grandes números de visualização. Se este trabalho for consumido por completo, conhecendo a proposta do produtor, assistindo ao documentário e mergulhando de vez em reflexões sobre o que aqueles versos e palavras soltas significaram para aquelas pessoas, o potencial do disco é infinito.

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.