Resenhas

Kiran Leonard – Grapefruit

Segundo álbum do cantor e multiinstrumentista inglês investe em experimentalismo previsível

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Ano: 2016
Selo: Moshi Moshi
# Faixas: 8
Estilos: Experimental, Psicodélico, Math Rock
Duração: 56:51
Nota: 2.5
Produção: Kiran Leonard

A pós-modernidade, esta brincalhona, nos trouxe uma instituição artística interessante, ainda que contraditória: o “experimentalismo previsível”. Nela há espaço para quebras padronizadas de conceitos e formatos, sem, no entanto, promover qualquer tipo de mudança na arte em que se insere. Muitas vezes nem é essa a vontade do artista, é bom que se diga. Sendo assim, muito en passant e sendo bem superficial, certos experimentalismos são meros jogos de corpo, mero subterfúgio para adentrar outros terrenos estéticos dentro do mesmo gênero. É o caso do nosso jovem Kiran Leonard em seu segundo álbum, Grapefruit. Ele é “experimental”, “audacioso”, “complicado”, adjetivos que podemos entender como proferidos por uma audiência que ri com a mesma frequência da claque dos episódios de Friends ou que entende como irremediavelmente geniais os álbuns mais recentes de, vejamos, Animal Collective.

Kiran tem 20 anos. É daqueles jovens que poderiam ouvir dos pais algo como “você não sabe nada da vida ainda, moleque”, mas isto seria cruel e impreciso, uma vez que esta impressão da realidade, típica da juventude, é dado precioso por aqui. Ele lançou seu primeiro álbum há dois anos, o bom Bowler Hat Soup, que tinha mais apreço pelo formato Pop mais clássico, mostrando um artista xóvem e talentoso, disposto a absorver influências aqui e ali, musicais, literárias, a coisa toda. A velha história de menino aplicado e estudioso, envolto pelo conhecimento e pela facilidade de acesso a ele, típica dos nossos dias, o que potencializou a empreitada de Kiran em relação a este segundo trabalho. Em vez de dar continuidade à exploração dos formatos de canção Pop para o século 21, ele deu de ombros e chutou o proverbial balde, mas dentro dos parâmetros aceitáveis para “experimentação”.

O que isso quer dizer, exatamente? Canções com aura Lo-Fi que têm tamanho variando entre dois minutos e meio e um monstrengo de mais de 16 minutos, chamada Pink Fruit, que narra, parece, o amor entre uma mulher e um molusco. Claro, ao longo da canção, várias mudanças de andamento, várias alterações de instrumentos, várias músicas numa só, tudo meio histriônico, meio planejado demais, meio esquematizado em excesso. Outra canção enorme está presente, no caso, encerrando o álbum. É Fireplace, igualmente caotiquinha, igualmente anárquica, igualmente inofensiva e esquecível em seu conceitualismo planejado. Kiran, ao piano e noutros inúmeros instrumentos, parece ter o controle total deste caos que propõe, que parece capaz de ser ordenado sem qualquer esforço, sem muita dificuldade. E tome urros guturais entremeados por vocais emoldurados por cordas e piano, naquela alternância entre belo e feio, entre estranho e convencional.

As canções menores também não ajudam muito. Ondor Gondor, quem né tão pequena, ostentando mais de sete minutos, tem guitarras e espaço para a voz de Kiran soar bem parecida com o que aconteceria a Jeff Buckley se ele fosse desencaminhado de sua melancolia americana clássica. Aqui há guitarras intrincadas, num Math Rock que não vai muito além das equações de segundo grau. Caiaphas In Fetters tem influências literárias, arranjo com quarteto de cordas, clima eruditóide e uma disposição em afrontar o clássico e o convencional, que acaba saindo pela culatra por ser chata. Don’t Make Friends With Good People é outro exemplo de tentativa de caos sem muito sucesso, desta vez emulando alguma sobra de estúdio de O.K. Computer, de Radiohead. É outra que quase bate os dez minutos de duração, testando a paciência do ouvinte um pouco mais crítico, mas que exibe um pouco mais de êxito em exibir-se como canção fora dos padrões de verdade. Exeter Services é uma espécie de Psychopunk, algo que tem seu inegável valor, cheia de vocais confusos, guitarras intrincadas, tudo meio inacabado, ganhando facilmente o posto de melhor canção do álbum, apesar de não ser indicada para ouvir em dias calmos. O contraste com o dedilhado de violão exposto em Half-Ruined Already é uma boa pedida, uma vez que já estamos a caminho do fim do disco.

A impressão que fica é que Kiran quis loucamente se expressar e gritar para o mundo sobre o tanto de informação que absorveu nestes últimos tempos e o quanto ele deseja louca e sinceramente não ser convencional. Este desejo – legítimo – é o que salva o álbum de sua detonação absoluta, mas que não o exime de ser chato e pretensioso em sua despretensão aparente. Kiran Leonard tem talento e deve adquirir o único bem que o dinheiro não compra ou que a Internet não traz: vivência. Boa sorte.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.