Resenhas

Fernando Temporão – Paraíso

Segundo álbum do cantor e compositor carioca mantém o mesmo nível do antecessor

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Ano: 2016
Selo: Independente
# Faixas: 11
Estilos: AOR, Pós-MPB, Pop Alternativo
Duração: 40:04
Nota: 4.0
Produção: Alexandre Kassin

Vejo com bons olhos o surgimento de algo que julgava necessário na nova música brasileira há tempos: um núcleo de bons músicos e um bom produtor, capaz de traduzir essa nova linguagem para um público potencial e descontente com a crescente decadência do chamado “mainstream” brasileiro, comprometido apenas em atender demandas do mercado e da mídia dominante, responsável principal por este estado deplorável. Estes músicos (o baixista Alberto Continentino, o tecladista Donatinho e o baterista Domenico Lancellotti) e o produtor (Alexandre Kassin) estão presentes em Paraíso, o segundo álbum do carioca Fernando Temporão.

Temporão já havia entregado um belo disco, De Dentro Da Gaveta Da Alma Da Gente, igualmente produzido por Kassin, que parece ter se transformado justamente no sujeito que sabe pilotar o estúdio para estes artistas novos, em sua transição da informalidade da Internet para o mundo materializado do que restou da indústria musical como a conhecíamos. Só para mencionar dois nomes bastante conhecidos, Thiago Pethit e Clarice Falcão, emersos dos subterrâneos para a visibilidade televisiva há mais ou menos tempo, se valeram dos serviços do sujeito e ele não os desapontou. Também não custa lembrar que Kassin também integrou o trio +2, ao lado de Moreno Veloso e Domenico Lancelotti e que, ao lado deles, toca e produz discos de gente cascuda em busca de novas traduções e sonoridades, como Gilberto Gil e Gal Costa, por exemplo. Sendo assim, este núcleo de músicos e produtor funciona como um certificado de qualidade e competência neste caminho natural.

Seria injusto, no entanto, reduzir a obra de Fernando Temporão à felicidade de encontrar parceiros certos. O sujeito tem as características necessárias para assumir protagonismo numa eventual cena de novos cantautores cariocas, algo que não se vê há muito tempo. Dono de boa voz, compositor acima da média e adepto da noção cooperativa de produção, Temporão abriu seu álbum para a vinda de vários parceiros, conferindo pluralidade e ampliando o espectro de suas composições. Funcionou, sobretudo pelo bom gosto nas colaborações, com destaque para Cesar Lacerda, um dos grandes sujeitos da nova música nacional, que divide a autoria de três canções: Afinal, Sem Fantasia e Um Milhão de Novas Palavras. Além dele, um verdadeiro “who’s who” desta nova geração de gente legal aparece no álbum, com destaque para as presenças de Ava Rocha, que coassina a faixa-título e Filipe Catto, que também é responsável pela bela Exílios.

Outros dois grandes fatores comprovam a belezura que é Paraíso: o conceito e a abertura musical. Conceito porque Temporão é inteligente o bastante para assumir a autoria de um disco com viés politizado se valendo da noção ampla do termo “política”, ou seja, de que somos seres políticos sem, necessariamente, resvalarmos para o fosso raso do partidarismo ou qualquer outro reducionismo midiático. Ou seja, dá pra gente ter ideologia, visão de mundo, convicções e nos apropriarmos disso como uma espécie de caixa preta pessoal, que nos dá segurança e nos lembra de quem ou o que somos. O outro fator já havia surgido no disco anterior, que é a absoluta noção de que dá pra usar arranjos de AOR, Soft Rock, Pop dos anos 1980, tudo ao mesmo tempo, revestindo suas canções com um insuspeito espírito de beira mar ou, se necessário, de subida de serra no inverno. O que fica, certamente, é a noção de que tudo aqui foi muito bem feito, pensado e fruto de consenso entre os participantes.

Destaques? Sim, temos vários. O clima de beleza com acordeon e efeitos de guitarra e percussão da bela Dança, logo na abertura. A belezura do arranjo da faixa título, com um belo timbre de bateria, melodia bonita e a ideia de estarmos diante de alguma composição que Caetano Veloso gravou para seu álbum Uns e engavetou. Guitarrinhas conduzem a dancinha de Afinal, totalmente caetânica setentista, suingada e solar. Há algo de Pop brasileiro do início dos anos 1980 em Dia de Seguir, que lembra canções deste período gravadas por Marina Lima ou Erasmo Carlos, enquanto a fofura eletrônica de games e ruídos vintage que Kassin desenvolveu há tempos, dá ar de sua graça em No Ar, leve como o título já entrega. E a faixa mais bonita do disco é Manto, com melodia linda e arranjo simples, que enfatiza o canto de Temporão e com versos bonitos como “deixei tão cedo a minha paz, só pra te segurar, pra ver você notar”. Simples e belo.

Dá gosto de ouvir um álbum como Paraíso, que aponta para um presente-futuro com o uso e domínio de bons conceitos e referências do passado, tudo equilibrado e bem feito. Parabéns aos envolvidos, nos vemos na lista de melhores de 2016.

(Paraíso em uma faixa: Manto)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.