Resenhas

Yuna – Chapters

Cantora volta com álbum elegante na tradição do R&B americano

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Ano: 2016
Selo: Verve
# Faixas: 10
Estilos: R&B, Singer-Songwriter, Pop Alternativo
Duração: 39:29
Nota: 3.5
Produção: Fisticuffs, Robin Hannibal

Estava este articulista se preparando para comentar o quarto álbum da cantora malaia Yuna, ouvindo algumas canções deste seu novo trabalho, quando a esposa adentra o quarto e pergunta: “É a Sade?” Me apresso em dizer que “não”, mas percebo que ela matou a charada apenas com esta pergunta casual. Pelo menos neste Chapters, Yuna ergueu uma marca sonora elegante, moderna, chique e capaz de lembrar para ouvintes mais velhuscos a fase noventista da cantora nigeriana Sade Adu. Pra quem nunca ouviu falar nela, sugiro empreender uma busca em canções como Love Is Stronger Than Pride ou The Sweetest Taboo para comprovar esta inesperada semelhança. Dito isto, vamos dissecar este interessante Chapters.

Yuna, como dissemos, é malaia. Não é todo dia que encontramos artistas da Malásia dando sopa por aí e, ao contrário do que você pode imaginar, não há um único traço étnico, folclórico ou… malaio em sua música, pelo contrário. O que é facilmente detectável em sua assinatura musical é uma predileção por um híbrido de R&B noventista e Eletrônica sutil, tudo devidamente embalado e pensado para apreciação nos nossos tempos líquidos e fugidios. O grande mérito da moça é saber separar a gritaria típica de cantoras de música negra americana, como Whitney Houston, Mariah Carey e, vá lá, adiantando um pouco para a chegada do novo milênio, a precocemente falecida Aaliyah da técnica e emoção que todas estas conseguiam conferir em suas interpretações. Em seu lugar, Yuna coloca sentimento e economia, algo cada vez mais raro hoje em dia. A exemplo da já citada Sade, Yuna consegue revestir de sofisticação e urbanidade a sua música, valendo-se de uma voz aveludada para encontrar ares de originalidade. Pensando bem, se Adele quisesse dicas de reinvenção, deveria pensar em deitar seus ouvidos por essas bandas.

Chapters é triste, é disco para lamber as próprias feridas ou, dependendo do contexto, chorar no cantinho em explosão de autocomiseração. Tem presença do cantor Usher, que, em vez de dividir vocais num Rap ou algo do gênero, é chamado a soltar sua garganta num elegante dueto, algo clássico na música popular americana desde sempre. O resultado, Crush, é desse tipo de canção que poderia fazer parte de trilha sonora de novela global, se o mundo ainda fosse como costumava ser. A outra participação do álbum é da cantora nipo-americana Jhene Aiko, que mede forças com Yuna em Used To Love You, com excelentes resultados. Há momentos de sofrimento acrílico e luxuoso, quase com direção de arte, caso de Mannequin, faixa que abre o álbum e inicia a jornada de nossa heroína pelos porões sentimentais da alma humana em seu estado solitário e triste. Há toques de produções da gravadora Motown em sua fase oitentista, há timbres e sonoridades colocadas com inteligência para referendar esta dor. Estes toques surgem de forma que parece casual, mas tudo é meticulosamente pensado.

Lanes, por exemplo, é cheia de cascatas de teclados e percussão eletro-humana de algo poder de envolvimento. Unriqueted Love é bela, revestida em cômodos brancos, desertos, vazios. Best Love chega a investir em uma levada mais dançante, no sentido lento, dolente e sensual do termo, com sofrimento na medida certa, falando sobre aquela ausência que tira o sono da gente, que nos move em qualquer direção. Too Close já é mais severa em termos de movimentos, feita mesmo para a intensificação emocional do ouvinte sem meio termo. Best Of Me pega emprestadas algumas pitadas de Jazz contemporâneo e adiciona ao clima em câmera lenta que a faixa exibe, com resultado bem interessante. Your Love é outra canção que pega o clima noventista de R&B, sobretudo no arranjo de teclados, e reinventa com maestria. All I Do, que encerra o disco, é totalmente devedora desta familiaridade R&B mais clássica, que parece querer voltar aos dias de hoje.

Yuna é uma opção bastante interessante ao padrão de cantora Pop que temos em vigência hoje. Ela não tem pressa para encerrar suas canções, não pretende fazer qualquer dancinha sensual ou algo no gênero. Ela parece pertencer ao time das artistas que usam apenas a voz e a inteligência, ambas fiéis a um modelo artístico estabelecido e entendido por ela com naturalidade. E tudo funciona por aqui. Bom álbum.

Chapters em uma faixa: Crush

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BOM PARA QUEM OUVE: Sade, Norah Jones, Lianne La Havas
ARTISTA: Yuna

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.