A música feita pelo grupo canadense Holy Fuck vive numa realidade composta por vários paradoxos. É dançante, porém travada. É instrumental, mas comporta vozes perdidas no mix. É supostamente contemporãnea, mas seus integrantes ostentam a si mesmos como ratos de sintetizadores antigos e parafernálias retrô em geral. Tudo soa como um meio do caminho estético entre o ontem e o amanhã, sem tempo para pensar no hoje. E o ontem é bem recente, algo como o início dos anos 00, talvez o nascimento dessa Eletrônica vintage, essa coisa de olhar para o futuro com o quentinho e o conforto de quem fica com o pezinho no passado recente, aconchegado e protegido. Não por acaso, uma vez que o grupo surgiu em 2005. Pra fazer esse movimento de brincar com o tempo em forma de música, o cabra (ou os cabras, no caso de uma banda) tem que ser muito bom. E, bem, não é exatamente o caso de HF neste novo álbum, Congrats.
Meu problema é com a proposta dos caras, que não funciona a meu ver. É o contrário do que acontece com formações como Air ou Daft Punk, que usam com desenvoltura sua máquina do tempo musical, dando forma e conteúdo para uma música própria, que confunde sentidos e paradigmas. Holy Fuck é um mexidão de batidas dançantes, vozerio indistinto soando como instrumento musical pervertido pela modernidade e uma abordagem caótica/distópica que é irritante. Em Congrats, seu som está “mais melódicos”, parecendo disposto a empreender mais cuidados com a melodia ou a própria estrutura musical numa visão mais linear. Nada contra o caos total em forma de som, mas, até pra isso, os sujeitos precisam saber o que estão fazendo.
Há momentos melhores que outros, claro. Shivering, por exemplo, leva quase três minutos e meio com um ritmo anda-e-para, truncado, travado e de cintura dura para desaguar numa ambiência de Rock independente inglês dos anos 1990, mas volta à mesmice em seguida, só para mostra que o “conceito” está dominando as ações por aqui. Em Xed Eyes eles soam como uma espécie de Depeche Mode rebelde, com algum sentido perpassando o andamento suingado e o bom equilíbrio entre melodia e atitude. House Of Glass vai num caminho mais Electro-Funk, com boa batida e efeitos de baixo, em meio a fraseados de sintetizador mais oitentistas. Sabbatics é cheia de bricolagens percussivas, bem colocadas na maioria das vezes, mas que poderiam apontar para uma direção mais rítmica e não jogar a favor de uma maçaroca indistinta de sons e timbres. Shimmering é praticamente uma vinheta de um minuto de duração, que introduz Acidic, que é uma boa faixa, impregnada do conceito de Disco Punk do início do milênio, tão bem urdido por bandas como The Rapture, com espaço para uma visitinha a ambiências de Reggae. O fim chega com a passável Caught Up, perdida no conceito.
Apesar destes acertos e erros, temos que fazer justiça: Neon Dad é a melhor faixa do álbum, justamente por procurar uma maneira mais convencional para abastecer as idas e vindas de referências. Pega emprestado um fiapo melódico que se assemelha muito ao que Fleetwood Mac criou para seu hit Sara, de fins dos anos 1970 e o soterra numa pilha de efeitos e vozes, que mais soam como poeira ou ferrugem musical, gerando uma nova canção com cara de dejá vu. Bem feito.
Congrats é um disco bem gravado e que segue seu conceito brincalhão com o tempo em sua totalidade. Às vezes o resultado aponta para algo que vale a pena, mas, infelizmente, parece que Holy Fuck abriu mão de pensar em algo mais amplo e criativo em benefício de soar moderno e descoladíssimo. Chato.
(Congrats em uma música: Neon Dad)