Resenhas

Jerry Paper – Toon Time Raw!

Em álbum esquisitão, músico narra crises existenciais de personagens de cartoon

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Ano: 2016
Selo: Bayonet Records
# Faixas: 14
Estilos: Dream Pop, Lo-Fi
Duração: 41
Nota: 3.5

Personagens de cartoon são figuras capazes de sobreviver a explosões, cair de um precipício apenas depois de perceber que não estão mais pisando no chão e deformar o seu rosto para expressar alguma emoção. Figuras vindas do desenho animado, em geral animais antropomorfizados são, enfim, a epítome do que percebemos de cômico, trágico e exagerado no comportamento humano e, ao mesmo tempo, refletem de maneira ingênua uma projeção fantasiosa que fazemos sobre nós mesmos.

Esse universo colorido, hiperbólico e bastante cruel em certa medida parece ser exatamente o ambiente onde vive Jerry Paper, personagem incorporado pelo músico Lucas Nathan. Ao menos, é nessa espécie de dimensão paralela, com certeza, onde decorre a trama de seu novo álbum, intitulado Toon Time Raw!.

Como disse Gabriel Rolim em sua resenha sobre Carousel, o trabalho que antecede o atual, “ouvir Jerry Paper é como viajar por uma atmosfera psicodélia perdida entre trilhas sonoras de videogame, Mac DeMarco, Lo-Fi e Dreampop.” De fato, seja na ideia de “universo paralelo”, “realidade alternativa” ou “atmosfera psicodélica perdida”, podemos notar que o jovem músico demonstra uma habilidade muito grande em criar um ambiente que é só seu, recheado de um humor bizarro, loser e calcado no revival dos anos 90. Ou, ao menos, em uma parcela muito caricata dessa década.

Lucas Nathan faz parte de um nicho cultural que se refugia na ironia para se comunicar. Tudo aquilo que diz é muito inteligente, mas tudo é recoberto pelo verniz do humor nonsense a fim de que o musico sempre mantenha um braço de distância crítico a respeito daquilo que acabou por dizer, sem se comprometer, portanto, com suas próprias afirmações. Talvez não por acaso, Lucas Nathan, enquanto músico, seja Jerry Paper. E Jerry Paper, quando cante, não cante sobre si, mas sobre personagens de cartoon.

“The quotidian aches and pains of being a being. All the small nothings, they’re something; the bric-a-brac euphoria.” é a estrofe de introdução, e apenas um dos excelentes versões que compõe Toon Time Raw!. Jerry Paper percebe a força da contradição ao apresentar personagens de desenho animado que sofrem dilemas existenciais. A sensação é aquela mesma fisgada que temos ao assistir Uma Cilada para Roger Rabbit ou o clipe de Paranoid Android da banda inglesa Radiohead. Esse clima é apenas reforçado quando Jerry Paper canta com sua vibe de “cantor de churrascaria”, discípulo de Mac Demarco e amparado pelo Jazz, aqui em edição especial maravilhosamente cafona, de BadBadNotGood.

A contribuição desta última, aliás, é um dos pontos fortes de Toon Time Raw!, além da composição de Jerry Paper em si. Um álbum maluco, esquisitão, com letras profundas e uma sonoridade sinuosa e embalada marca um upgrade na carreira do músico até agora.

(Toon Time Raw! em uma música: Shouldn’t You Be Laughing)

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BOM PARA QUEM OUVE: HALA, Connan Mockasin, Mac Demarco
ARTISTA: Jerry Paper
MARCADORES: Dream Pop, Lo-Fi

Autor:

é músico e escreve sobre arte