Resenhas

Guri Assis Brasil – Ressaca

Segundo álbum é cheio de referências latinas em belas canções

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Ano: 2016
Selo: Natura Musical
# Faixas: 9
Estilos: Rock Alternativo, Pop Alternativo, Música Latina
Duração: 37:09
Nota: 4.5
Produção: Guri Assis Brasil

Ao ouvir este segundo álbum de Guri Assis Brasil, me peguei pensando em questões variadas. As perguntas mentais iam desde “por que diachos um cara como este não está rico e sendo tocado em todo o país?” ou “seria Guri um representante de uma nova geração de subtropicalistas, um jovem Jorge Drexler, um novo Kevin Johansen, um Vitor Ramil revisitado?” e me dei conta de que, de fato, há uma imensa riqueza em termos de música popular sendo feita no Brasil e que ela está fadada a ser privilégios de poucos/pouquíssimos, algo não necessariamente ruim, pensando bem. Uma boa audição de Ressaca, este audacioso e sensível registro musical, dá esperanças acerca do futuro da música nestes tempos líquidos.

Cabe esclarecer o termo “subtropicalistas” mencionado aí em cima. Ele é usado para rotular artistas que, como Guri, são do extremo sul do continente, na região subtropical, mais precisamente da interseção entre Uruguai, Argentina e a região fronteiriça que ambos têm com o Rio Grande do Sul. Guri é de Santana do Livramento, quase Uruguai, portanto, tal afirmação faria sentido. Sua música olha para influências sulamericanas de forma necessária e revoltantemente inédita em artistas de sua geração, seguindo a triste lógica do brasileiro não olhar para seu continente do mesmo jeito que olha Europa e America do Norte. Ressaca é rico em sonoridades sulistas, de Reggaeton a Cumbia, só para mencionar dois ritmos que são bem populares por lá e que deveriam tocar muito mais nas rádios daqui. Guri não demonstra qualquer didatismo nisso, apropriando-se dessas referências de forma natural, afinal de contas, o sujeito tem mesmo essas influências. Mesmo nos tempos de Porto Alegre, quando integrava a boa – e sumida – banda Pública, sempre foi possível perceber que havia nele algo mais que um bom guitarrista presente.

O filtro de referências de Guri também tem certo tributo devido ao Pop urbano e contemporâneo de gente como Pélico e até Los Hermanos, mas sua identidade como bom cantor/compositor e guitarrista confere traços bem peculiares ao álbum. Há uma fluência especialmente no quesito melodia, propiciando uma audição pra lá de agradável. O single Casco, por exemplo, é sério candidato às listas de melhores canções nacionais de 2016, com seu arranjo de Reggaeton e belos fraseados (e solo) de guitarra. Além disso, uma letra de saudade alia metáforas de mar e ausência. É dessas canções que não comportam serem ouvidas apenas uma vez. É injusto, porém, destacar apenas esta em meio a outras oito belas composições.

A beleza do verso “faz um tempo que eu sonho que teria novamente um quintal e um pé de laranjeira para a gente regar” abre a triste e psicodélica Laranjeira, que posiciona o ouvinte diante do que será oferecido ao longo do álbum: tristeza e a sensação de “não estar” no mundo, algo que a gente sente muito mais do que queria/deveria, a noção de que estamos no lugar errado, na hora errada, provavelmente com gente errada. Mancha também pisa no Reggae latinizado para envergar uma melodia linear com arranjo em que o órgão pontua tudo e um clima triste-alegre se instaura. Rastro de Bala é um híbrido praia-frio novamente equilibrando-se na fronteira entre algum ritmo jamaicano só que desacelerado e com belas intervenções de saxofone ao longo do percurso.

Geada é melancólica, porém cheia de guitarras encrespadas e letra metafórica “a sombra negra do teu corpo clareia…”, dá um revestimento especial à paisagem noturna que ela evoca. Andorinha é beleza de tarde de sol no inverno, com bom trabalho de guitarras sutis que sustentam a voz entristecida de Guri. Rotina tem um refrão que tem lampejos de Alegria, Alegria, de Caetano Veloso em algum lugar e é outro desses espécimes de melodia bela/clima triste que Ressaca oferece gentilmente ao ouvinte, abrindo caminho para a ótima Vou Me Mudar Pro Uruguai, com título mântrico, muito repetido e cogitado nestes tempos ilegítimos que vivemos por aqui. Negra Alvorada encerra o disco num clima de sonho, alegoria e mais banzo com mar em versos “ela dizia que queria o mundo, ele dizia que queria o mar”.

Ressaca é um ótimo trabalho, cheio de camadas a serem desbravadas pelo ouvinte e retira de Guri os termos “promessa” ou “nova revelação”, colocando-o no terreno dos artistas já consolidados. Poucos conseguem isso no segundo álbum, mas tudo aqui é tão bem feito e belo que não há como ser diferente. Um dos grandes discos de 2016, fácil.

(Ressaca em uma música: Casco)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.