Resenhas

Séculos Apaixonados – O Ministério Da Colocação

Segundo disco explora lado obscuro dos anos 1980, criando uma verdadeira distopia

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Ano: 2016
Selo: Balaclava Records
# Faixas: 8
Estilos: Vaporwave, New Wave, AOR
Duração: 30:22
Nota: 4.0
Produção: Gabriel Guerra e Lucas De Paiva

Guerra nuclear, as lojas de departamento Mappin, José Sarney, a novela Vale Tudo e Xuxa. Os anos 1980 realmente foram uma maluquice só, ainda mais no Brasil, onde uma instabilidade política e caos econômico ocorriam simultaneamente ao lado de uma música Pop reverberada, eletrônica com muito neon e romantismo. Assim, foi mais que natural que uma aura estranha pairasse sobre a sonoridade desta época, fazendo surgir mitos de pactos demoníacos da rainha dos baixinhos e punhais escondidos nos bonecos do Fofão. Entretanto, muitas bandas ainda insistem em retratar a respectiva década sem abordar estas bizarrices, apelando para esteriótipos do Synthwave e do Pop sentimental. Felizmente, Séculos Apaixonados não se esqueceu delas.

O Ministério Da Colocação é um passo para frente do romantismo do primeiro disco. Se Roupa Linda, Figura Fantasmagórica criava uma ambientação quase Dream Pop e suave, o novo álbum é mais denso e nebuloso. A voz grave e trêmula de Gabriel Guerra, que por vezes se faz difícil de compreender, dá ao registro uma aura caótica, porém diferente daquela vista no seu projeto paralelo Crusader De Deus. Aqui, as coisas são confusas em um nível que causa desesperança e esta é a melhor direção que o grupo poderia ter tomado, pois retoma o ar nostálgico e paradoxal dos anos 80 com força, uma época que celebrava o fim da ditadura, mas se temia o inverno nuclear.

Entretanto, por mais melancólico que o disco pareça, as faixas traduzem justamente o contrário. São canções rápidas, ágeis, sedutoras e dançantes, ora evidenciando uma sonoridade mais selvagem, ora se comportando como uma trilha sonora daqueles cenários 3D “Hans Donner” típicos de abertura de novelas globais. Esta é uma das características mais fortes do registro, criando um cenário distópico por meio de música aparentemente alegres. É quase uma analogia brasileira ao famoso disco de Vaporwave Floral Shoppe, de Macintosh Plus, no qual o cenário de dominação capitalista e iminência apocalítpitca é celebrado através de releituras de hits Pop dos anos 80. Mas aqui, não existe releitura; apenas uma homenagem bem executada.

Todas as faixas são composições novíssimas que fazem a referência verossímil com a década de 80 ser a característica mais fantástica do disco. Medo Da Cidade Quando Chove traz uma aura de neblina, construída com pads sombrios de sintetizadores e o timbre aveludado de Gabriel Guerra. Dedo em Riste é praticamente um passeio pela antiga loja de departamento Mappin, explorando trompetes bregas e vocais bastante chiclete. Troianas a Go-Go poderia ser facilmente a abertura de uma novela como Sassaricando, com um riff de saxofone safado, no sentido mais sensual que isso possa ter. Já Uma Vida Toda Planejada é uma ampliação de uma estética de jingles recorrentes de propagandas comericiais, mas que se concretiza como uma ótima e pegajosa canção. Por fim, Contas Internacionais nos faz terminar o disco de uma forma bastante sufocante, com sintetizadores frios e hipnóticos que fariam The Drums chorar.

O Ministério Da Colocação é uma ode ao bizarro e um perfeito exemplo de como a nostalgia excessiva e pouco criativa pode ser contornada produzindo um disco que respira por conta própria (neste caso, tirando nosso ar). Com uma produção mais madura, Séculos Apaixonados caminha em direção ao aprimoramento, criando uma atmosfera única que dispensa rótulos, algo bastante difícil hoje dentro do cenário brasileiro. A distopia brasileira definitiva.

(O Ministério Da Colocação em uma faixa: Dedo Em Riste)

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BOM PARA QUEM OUVE: Chuck Person, Blitz, Macintosh Plus
MARCADORES: Aor, New Wave, Ouça, Vaporwave

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique