Resenhas

Angel Olsen – My Woman

Cantora e compositora americana faz belo disco feminino sem ser feminista

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Ano: 2016
Selo: Jagjaguar
# Faixas: 10
Estilos: Singer-Songwriter, Pop Alternativo, Rock Alternativo
Duração: 47:17
Nota: 4.0
Produção: Angel Olsen

Angel Olsen, talvez não intencionalmente, faz deste admirável My Woman, seu quarto álbum, uma singela homenagem a uma faceta obscura do Rock do fim dos anos 1960, início dos anos 1970. Nada de Psicodelia, nada de guitarras altas, nada de Folk esquisitão. Angel mergulha de cabeça numa sonoridade torturada, dolorida, herdada de algumas canções românticas que não chegaram no topo das paradas Pop daquela época. Elas são devidamente temperadas com algum tema central, no caso, o sofrimento advindo do fim de um relacionamento amoroso. Sabemos como dói quando isso acontece, certo? As canções são semi-Rock, semi-acústicas, semi-elétricas, sob medida para serem cantadas num bar à beira de uma estrada de filme alternativo, enquanto alguma cantora de maquiagem borrada se lamenta pela partida do amante ou se contorce com saudades de casa.

Nem precisaria comentar, mas My Woman é um disco extremamente feminino, que não tem problema em admitir sofrimentos e vulnerabilidades humanas, dessas que independem de gênero para existir e tomar conta da nossa alma. Angel abraça a tristeza e aquela terrível sensação de que o chão sumiu subitamente. Também dá atenção à necessidade cada vez maior da mulher ter força suficiente para desfrutar de mais cidadania e direitos num mundo que faz tudo parecer naturalmente destinado a favorecer cada vez menos pessoas, chegando ao ponto de descaracterizar minorias para dar-lhes novas características de maioria. É confuso, mas tais questões existenciais estão no cerne das canções que Angel coloca no álbum. A produção – dela – está jogando a favor dessas sutilezas, abrindo mão de qualquer forcação de barra em timbres e instrumentais mirabolantes, fazendo com que as faixas rumem gentilmente em direção a essas canções enjeitadas da virada dos anos 1960/70, de gente como Linda Ronstadt, Joni Michell ou, para um referencial mais atual, Norah Jones, quando resolve soltar suas influências Country mais urbanas.

Apesar de invocar certa atmosfera de outros tempos, Angel não tem qualquer intenção de soar datada ou abraçar esteticamente algum tempo que não seja o agora. Suas canções são belas, especialmente quando não há qualquer truque, caso de The Intern, bela faixa de abertura do álbum. A voz da moça surge envolvida por lençóis esvoaçantes de sintetizadores, que empreendem vários timbres e nuances, dando espaço para a letra sobre a impossibilidade de acreditar no amor novamente e a nossa teimosia em seguir levando-o a sério e dependendo dele. Evoca a tal aura de música de fossa, executada num bar obscuro em algum canfundó urbano, no qual almas torturadas estão enchendo a cara de bebidas baratas em busca de alguma redenção. Também não há truques na adorável Shut Up And Kiss Me, que mistura algo de Rock americano dos anos 1990 com esta aura de passado, tudo envolto como se fosse uma gravação caseira.

Give It Up também exibe essa interessante mistura de crueza e lirismo no sentido mais dinâmico de canção, mas tal combinação também pode jogar a favor de climas mais torturados, caso da faixa seguinte, a bela e áspera Not Gonna Kill You, igualmente básica e temente da trindade baixo-bateria-guitarra. Qualquer impressão de que o álbum irá por estar direção se dissipa logo aos primeiros acordes da dolente e triste Heart Shaped Face, talvez a canção que melhor representa a totalidade de pensamentos e caminhos pelos quais Angel Olsen optou neste álbum. Aliás, as cinco últimas faixas do álbum abrem uma espécie de “disco dentro do disco”, exibindo esta familiaridade por melodias mais suaves, arranjos mais líricos e clima empoeirado. De vez em quando, caso de Sister e Woman, ambas com seus quase 8 minutos, por exemplo, Angel se permite demorar o quanto for necessário para abordar o que deseja da maneira mais completa possível.

A mais bela canção presente aqui, em meio a tantas composições bonitas é Those Were The Days, que evoca, sozinha e em caráter de exceção em relação ao resto do álbum, um clima de balada de FM setentista, com sutis intervenções de teclado e guitarra, numa verdadeira tempestade de bom gosto e lirismo. Angel está no comando por aqui, exibindo domínio vocal, de estúdio e se saindo muito bem como produtora, cheia de boas influências e ousadias. Beleza de álbum que não fala, apesar de parecer, apenas para as mulheres, mas que exibe sua força através do uso instintivo dessa feminilidade divina, materna, amorosa, mas também engajada e naturalmente soberana.

(My Woman em uma música: Those Were The Days)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.