Resenhas

Allah-Las – Calico Review

Terceiro álbum do grupo amplia espectro psicodélico

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Ano: 2016
Selo: Mexican Summer
# Faixas: 12
Estilos: Rock Alternativo, Pop Alternativo, Rock Psicodélico
Duração: 33:12
Nota: 3.5
Produção: Matthew Correia, Miles Michaud

Os terceiros discos costumam ser pontos de divergência nas carreiras dos artistas. Dois exemplos relativamente recentes desta regra não escrita da música Pop são Oasis e Radiohead, que deram guinadas estéticas importantes em suas trajetórias, respectivamente com Be Here Now e O.K. Computer e, a partir delas, não foram mais os mesmos, para o bem e para o mal. Tal fato interessante acontece com este bom Calico Review, que marca, desde já, uma mudança interessante na música oferecida pelo quarteto americano Allah-Las: onde antes havia a Psicodelia californiana mais clássica, embedada em doses sinceras de Garage Rock, agora habita uma música lisérgica mais plural, especialmente com acenos a bandas inglesas dos anos 1960 e 1990, que caminharam por este terreno colorido e mutante. Sem cópia, sem nostalgia, sem revivalismo, o grupo trouxe referências prestigiosas, que tornam o álbum bem mais legal que os trabalhos anteriores. Vejamos.

Mesmo que abrace sons ingleses em quantidade maior, especialmente de formações como The Rolling Stones e Zombies, o quarteto soa inegavelmente como uma formação ianque influenciada. Não ha – felizmente – nenhuma tentativa de emular tiques e taques de gente do outro lado do Atlântico, pelo contrário, é como se Allah-las estivesse expandido, amplo, mais atuante. Pode ser mera impressão, mas as 12 canções – todas curtinhas e eficientes como obras Pop – montam um painel coeso e em sintonia com o que a banda se dispõe a fazer, ou seja, um Rock básico, com potencial dançante e radiofônico, mesmo que, para que tal objetivo seja alcançado, seja necessário diminuir o volume das guitarras.

A impressão veio logo de cara, com o clima de Strange Hearts e sua harmonia delicada, com destaque para um órgão que vem se juntar à massa sônica do grupo, agora muito mais sutil que nos trabalhos anteriores. Satisfied vem em seguida, com uma típica levada psicodélica revisitada, com a expansão da modernidade, sem soar datada e apontando novamente para delicadeza e melodia em primeiro plano, ao contrário de algum peso guitarrístico. O grande achado do disco vem agora, a sensacional Could Be You, com levada dinâmica, guitarras em chacundum, vocais de apoio brilhantes e uma nítida herança de The Velvet Underground por toda parte, mas de uma forma não escurecida e psicótica, como a veterana banda de Lou Reed soava na maior parte de seu tempo. Estas três canções sintetizam as intenções da banda, mas elas apenas dão pistas sobre o que está por vir.

High & Dry, por exemplo, é pura Swingin’ London revisitada, como se fosse uma sobra de estúdio de um Oasis ainda adolescente, procurando identidade, mas já certo de que o Rock inglês é seu pastor e nada lhe faltará. Guitarras e violões por todos os cantos dão uma coloração especial à canção, que é sucedida por Mausoleum, mais obsessiva e maluca do que as anteriores, mas totalmente inserida nessa revisita lisérgico-harmoniosa que a banda promove. Roadside Memorial vai pelo mesmo caminho, mas adiciona percussão e vocais mais sintonizados com aquela São Francisco atemporal que existe na mente e nos corações de todos os que acreditam que venceremos o grande monstro no fim das contas e seremos todos felizes. Incenso e patchouli também dão o tom da bela e reflexiva Autumn Dawn, que pega emprestadas algumas sonoridades mais dramáticas e a velha mudança de andamentos e harmonias, tão querida do bom Rock. Cordas de fim de tarde, alguns fantasmas beatle e vocais cheios de efeitos são destaques na bela Famous Phone Figure, que lembra aquelas coisas que são queridas mas que nunca vivemos de fato.

O fim do álbum chega bem rápido, talvez até demais. A gente se diverte no cuidado e nos detalhes que o quarteto imprimiu em suas novas-velhas criações. 200 South La Brea é fofa, estradeira e cheia de guitarras saltitantes, contrário de Warmed Kippers, que ostenta melodia bela e vocais soterrados em efeitos que dão a impressão de que estão sendo emitidos de baixo pra cima, impressão que se desfaz logo que os primeiros acordes de Terra Ignata se fazem notar, levando o ouvinte para um Túnel do Tempo melódico, deixando o caminho aberto para o encerramento com Place In The Sun, que novamente revisita os maneirismos de Lou Reed e companhia.

Cheio de boas referências, melodias acima da média, uma banda audaciosa com disposição para modificar seu som e ousar, são muitos os motivos para recomendar este álbum sem restrições. Todos eles se resumem no fato de que as composições são muito acima da média que temos hoje no Rock e o grupo não tem medo de ir e vir no tempo, algo que, mesmo hoje, é indispensável para o bom Rock soar forte e bem referendado. Ouça.

(Calico Review em uma música: Could Be You)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.