Resenhas

El Perro Del Mar – KoKoro

Cantautora sueca dá grande salto em sua carreira em novo álbum

Loading

Ano: 2016
Selo: The Control Group
# Faixas: 10
Estilos: Pop Alternativo, world Music, Singer Songwriter
Duração: 34:30
Nota: 4.0
Produção: Sarah Assbring

El Perro Del Mar, alcunha artística da cantora, compositora e guitarrista sueca Sarah Assbring, andava meio sumida. Seu último sinal de vida musical veio em 2012, com seu álbum Pale Fire, que representava uma guinada eletrônica e dançante em seu trabalho, que, até então, primava pela melancolia fofinha e bonitinha, dedilhada ao violão ou na guitarra acústica. Sarah sumiu, deu um tempo e a música deixou de ser prioridade em sua vida. Neste espaço de tempo – quatro anos – vimos uma série de cantoras surgindo no segmento do Pop Alternativo mais ou menos dançante, mais ou menos Eletrônico, mais ou menos Indie – termo que eu evito, mas que ainda diz muito. Pois bem, os grandes álbuns surgem tanto de extenso planejamento e execução como do mais absoluto nada. Este é o caso de KoKoro, que é o resultado de uma visita da moça a um museu de sons em Estocolmo.

Sim, coisa de sueco, né? Sarah ficou completamente encantada com a multiplicidade de sons, deu um jeito de registrar a maioria deles e começou a pensar em como poderiam se mesclar à sua música essencial, aquela mais contemplativa do início da carreira. Dessa tentativa de apropriação – bem sucedida – surgiu este admirável novo álbum, que mostra uma artista sendo surpreendida o tempo todo e procurando ser generosa com todos os detalhes que se propõe a mostrar. O que sai das caixas de som é uma música com potencial radiofônico sólido e uma multiplicidade de sonoridades, sem muito referencial geográfico, com o toque pessoal de Sarah. Há momentos em que algo mais oriental vem à tona, noutros temos mais percussões árabes ou africanas e sopros, cordas, tudo com a idade do tempo, mas novíssimo, fortíssimo e pronto para encantar os ouvintes que pensam na música de forma ampla.

Insisto que a maior qualidade de KoKoro é sua afeição pelas melodias cheias de bons ganchos e refrãos interessantes. Não é fácil misturar essas influências tão distintas e livrar-se daquela impressão National Geographic que estes projetos têm às vezes. É tudo natural e belo, inegavelmente bem intencionado. O destaque absoluto é a belezura de Kouing-Amman, luminosa e delicada como um passeio no parque numa tarde de verão. Há aquela presença de elementos asiáticos no arranjo, seja nos instrumentos de corda ou de sopro, mas vozes desconexas no meio da canção puxam o ouvinte de volta. Há um certo clima de anúncio da Bennetton, mas é tudo acima do bem e do mal, híbrido de Pop Alternativo e folclore, funcionando totalmente. Ao longo do álbum essa sensação de multiplicidade se repete graciosamente, constituindo a audição das canções num interessante jogo de esconde-esconde, que vira a favor do ouvinte através do uso de fones.

Endless Ways e a faixa-título, logo de cara, mostram ao ouvinte que ele está entrando na proverbial “terra incógnita”, mas este conceito não é totalmente fiel. Logo virá o andamento que evoca alguma composição de Brian Wilson (na primeira) e a eletrônica percussiva arábica (na segunda) que dará aquela impressão de estar diante de algo exótico mas que é familiar na mesma proporção. Clean Your Window é outro achado, mostrando que Sarah está num caminho bem distinto de suas colegas contemporâneas de profissão. Sua composição e uso da paleta de cores aqui é elegante e muito sutil para ser borrado pela mão pesada de produtores ou alguma demanda do mercado. Ela compôs o álbum para si mesma, para os fãs, para sabe lá quem, mas não pensou em vender ou ficar em evidência, isso é certo. Outro par de composições, Ging Ging e A-Bun-Dance, especialmente a segunda, apontam para um uso mais contemplativo dos recursos, com muitas harpas, muitas vozes indo e vindo, tudo acima dos ruídos mais mundanos.

Antes do fim do disco, mais uma pequena pérola, a sensacional Ding-Summ, uma canção totalmente devedora das influências chinesas – como o nome já diz – aludindo ao dim sum, uma espécie de tapas chinês, comidinha servida em cestinhas ao vapor. O clima evocado é de adorável confusão, personificada na linha vertiginosa de baixo, na programação de teclados e as vozes de Sarah, dando a impressão que você está a meio caminho do Epcot Center e das ruas de Pequim, tudo ao mesmo tempo, sem sair do lugar. Dá gosto ver um artista tão imerso no desejo de fazer um disco relevante e devoto de influências pouco comuns. O papel de Sarah/El Perro é mostrar que é capaz, sim, de torná-las e à sua musicalidade original, peças de um mesmo projeto, viável e sensacional. Ela consegue e estabelece um novo parâmetro para esse tipo de incursão, sendo difícil de bater, dadas as condições da concorrência. Disco superlativo.

(KoKoro em uma música: Ding-Summ)

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.