Resenhas

Bon Iver – 22, A Million

Justin Vernon utiliza fragmentos, interferências e plena confusão para criar sua obra mais humana

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Ano: 2016
Selo: Jagjaguar
# Faixas: 10
Estilos: Indie, Indie Eletrônico, Folk Eletrônico
Duração: 35'
Nota: 5.0
Produção: Justin Vernon

22, A Million é um disco complexo que já chega muito bem explicado, seja pelo que a assessoria de Bon Iver disse à imprensa, pelo que o próprio Justin Vernon comentou nos últimos meses ou mesmo pela sua capa, que traz uma grande variedade de elementos de cunho espiritual ou místico para ajudar a expressar o autoconhecimento concluído após as últimas duas décadas de vida do artista. Sendo assim, esta resenha presta-se menos a repetir essa narrativa já exposta, optando por comentar as escolhas – sobretudo estéticas – feitas na obra para que o ouvinte/leitor aproveite-a ainda mais.

Metalinguagens à parte, 22, A Million revela-se desde a primeira audição como um trabalho complexo, entre o sublime e o confuso, pouco linear e bastante fragmentado. Ele traz um Bon Iver tão distante de seu álbum anterior quanto esse estava da aura Folk Lo-fi de For Emma, Forever Ago, resultado também de tudo com o que Vernon trabalhou nos últimos anos, de The Shouting Matches a Francis and the Lights, de The Staves a James Blake e de Volcano Choir a Kanye West. As mudanças em sonoridade são consequências naturais de toda essa bagagem, que adicionou combustível criativo e tornou o cantor, compositor e produtor mais maduro para saber chegar aonde queria em seu terceiro lançamento sob o nome Bon Iver.

São apenas dez músicas em pouco mais de meia hora, mas a experiência de ouvi-lo parece levar mais tempo – e se essa afirmação teria uma conotação negativa na grande maioria dos casos, aqui ela refere-se à profundidade que cada faixa carrega, com um altíssimo grau de abstração nas letras (ou mesmo em seus títulos) e ambientações que propositalmente incomodam aqui e fascinam ali. Mesmo uma audição mais tímida, ao final, parece ter deixado um inegável rastro de confusão e beleza no seu dia.

Voltando à capa, ela explica bastante essa sensação de ouvi-lo – a aleatoriedade, o conflito, um desequilíbrio que sabe revelar sua beleza. É a mesma percepção de ouvir a sequência inicial (as duas músicas usadas no anúncio do disco), 22 (OVER S∞∞N) e 10 d E A T h b R E a s T ⚄ ⚄. Enquanto a primeira vem como a introdução ideal (misteriosa e, ainda assim, convidativa), a outra é agressiva e dramática, oscilando entre elementos eletrônicos pesados com timbres de grande beleza, lembrando muito o que Sufjan Stevens fez em seu The Age of Adz – não por acaso, um disco de temática semelhante.

E, assim como Stevens fez em 2010, é importante notar que, por trás de todo o aspecto sintetizado das batidas e autotune, é o fator humano o mais importante de todas as músicas – 715 – CRΣΣKS, por exemplo, utiliza apenas vozes com interferências no processamento, sem deixar que os efeitos falem mais alto que as cordas vocais. Dessa forma, somos relembrados constantemente que todas as composições são sobre experiências bastante pessoais, tendo a própria confusão como um facilitador dessa expressão, visto que é uma condição que qualquer um já experimentou.

A espiritualidade – ou a vida como um todo – narrada por Vernon encontra sua paz cada vez mais ao longo da obra, mas ela chega maculada, muito distante de um ideal perfeito, trazendo em si tudo o que acumulou do passado para, dessa forma, revelar sua beleza própria (o conceito de Kintsugi, o vaso que vale mais quebrado do que inteiro, parece ser um bom paralelo). Sendo assim, a segunda metade do álbum é, no geral, menos agressiva (com exceção talvez de 21 M♢♢N WATER), seja por um efeito narrativo ou porque o ouvinte já está mais acostumado ao pandemônio apresentado.

Há espaço para músicas mais semelhantes ao que todos esperavam de Bon Iver, como a sequência 29 #Strafford APTS e 666 ʇ, ambas mais mansas em seus timbres e melodias, e ainda uma referência direta a Beth/Rest, faixa que encerrava seu disco anterior, em 8 (circle). Pode ser uma maneira de estampar uma maior coesão em sua discografia, pode ter sido uma escolha para agradar os fãs, ou ainda, dentro de sua narrativa, mostrar a significação que o passado tem aos olhos de hoje, enquanto 22, A Million não vira “ontem”.

E é pela precisão com que Vernon constrói a subjetividade da obra que 22 mostre-se como o melhor disco que ele já fez. Se Bon Iver soube como poucos emocionar em seus trabalhos anteriores, às vezes até mesmo com pequenos truques melodramáticos simples e muito bem utilizados, o projeto consegue o mesmo efeito desta vez por um formato menos óbvio, muito menos “fácil”. Mais importante ainda, fica a impressão de um disco “de pessoas para pessoas”, com o diálogo do ser humano com o que lhe é maior sempre em primeiro plano, e o encorajamento constante para cada um enxergar, projetar e abstrair o conteúdo que mais lhe convier – e é assim que reconhecemos uma grande obra.

(22, A Million em uma música: 33 God)

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.