Resenhas

Lestics – Torto

Álbum enguitarrado completa os quase dez anos de carreira da banda paulistana

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Ano: 2016
Selo: Independente
# Faixas: 9
Estilos: Rock Alternativo, Folk Alternativo, Folk Rock
Duração: 32:57
Nota: 4.0
Produção: Lestics

Se você não sabe, Lestics é uma banda paulistana em vias de completar dez anos do lançamento de seu primeiro álbum de uma carreira já contabiliza sete com este novíssimo Torto. Quis o destino que esta forma mais literária de Pop/Rock, de matriz independente, noventista e anglo-americana, no sentido Pavement do termo, perdesse protagonismo ao longo destes anos 2000/10. Também – por conta de outros motivos – ficou cada vez mais raro ver uma formação militando neste gênero com tanto tempo em atividade, algo que, obviamente, constitui um significativo diferencial para o grupo. Formam Lestics Olavo Rocha (voz), Marcelo Patu (baixo, violão) e Caio Monfort (guitarra, violão).

Deixando este parágrafo formal de lado, é preciso que você, leitor/a/x, entenda que Lestics é destas bandas que oferecem, além de uma moldura sonora bastante eficaz, a oportunidade de você se encontrar em algumas letras. Olavo Rocha, o cara por trás dos vocais principais, é um excelente letrista, fazendo reflexões brandas sobre o cotidiano dessa galera que anda pelas ruas e túneis, em metrôs e coletivos, enquanto o tempo passa célere sobre nossas cabeças. Lembra um livro que havia na casa deste resenhista lá no século 20, intitulado Gotas de Sabedoria. Além dessa característica – comum à toda obra do grupo – Torto tem a belezura de oferecer mais guitarras e menos violões, fornecendo momentos bem intensos.

As nove canções são todas inseridas nessa lógica de “Rock de guitarras”, fluidas, com refrãos eficientes e donas de bom senso Pop, o que significa que elas convidam o ouvinte a voltar, conhecê-las melhor à medida em que vai prestando mais atenção aos detalhes, que sempre surgem. A faixa-título, que abre o álbum, é o melhor exemplo desse combo “detalhes+acento pop+boas letras”. Em meio a uma levada smitheana, o trio vai entrelaçando guitarras, baixo e bateria – o básico dos básicos – soando como se houvesse mais algum instrumento presente, e construindo a passagem para Olavo desfilar os pequenos grandes versos iniciais: “bem vindo ao desconforto, você que acabou de chegar, por aqui quando mais torto, mais bem vindo alguém será”, dando conta dessa busca incessante pelos semelhantes em meio às diferenças, essas dicotomias e paradoxos da vida. É um baita cartão de visitas para o disco, que não decepciona.

Dezembro, que vem logo em seguida, já abre com dedilhados de guitarra em espiral e, novamente, a voz vem entoando: “se não fosse esse dia, se não fosse dezembro, se não fosse o mau tempo e os desastres astrais, se não fosse utopia, se eu não fosse tão lento, se não fosse eu atento a esses claros sinais…eu deixava de ser inocente”. A letra se repete encadeada com a guitarra que faz o mesmíssimo desenho melódico ao longo da canção, apontando para uma elipse que deságua em bom solo lá pelo segundo minuto, misturando boas doses de pedais wah-wah e uma Psicodelia intencionalmente superficial, que funciona bem. A guitarra – conduzida por Caio Monfort – é uma personagem marcante de Torto. Outros destaques vão para a belezura de Estrela da Manhã, para o clima obsessivo de Matilha e Diversão Dominical, para o bom arranjo de Quase Absurdo e o toque singelo de O Esquimó, que lembra algo noventista que poderia ser de Nenhum de Nós ou algo assim.

Torto é um desses discos que pode passar despercebido justamente por não oferecer malabarismos da moda, remixagens, eletrônica de aluguel ou qualquer desvio de foco. Seu forte é a música, a boa letra, o bom arranjo e alguma reflexão oferecida ao ouvinte, tudo com carinho, garra e sangue nas veias/nos olhos. Belezinha.

(Torto em uma música: Torto)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.