Resenhas

Nick Waterhouse – Never Twice

Cantor e guitarrista escapa da mesmice em disco vintage

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Ano: 2016
Selo: Innovative Leisure
# Faixas: 10
Estilos: Rock & Roll, Jazz Pop, R&B
Duração: 38:40
Nota: 3.5
Produção: Michael McHugh

Nick Waterhouse é um sujeito de 30 anos que tem um fraco, uma queda, um amor total por um momento no tempo. Ele se amarra em tentar capturar a essência musical que havia no nascedouro do Rock, naquele meio de década de 1950, quando o R&B negão estava em contato com o Country e o Blues nas grandes cidades. Dessa mistureba, sabemos bem, surgiu o Rock’n’Roll inicial, de gigantes como Chuck Berry, Little Richard e similares. Só que nem tudo era Rock neste momento, havia grande popularidade do Jazz, de sonoridades dançantes, suarentas, proibidas e cheias de sensualidade. Este painel, que é meio esquecido quando falamos desta época, é recriado por Nick em seus discos, quase sempre com precisão acima da média. Agora, com este terceiro álbum, Never Twice, ele consegue, finalmente, imprimir alguma marca de século 21 em suas revisitas e se sai bem.

É bem difícil soar contemporâneo empreendendo sonoridades notadamente “vintage”. Bom exemplo de artista que consegue isso é The Black Keys, que soube forjar uma assinatura musical para um tipo de Rock’n’Blues setentista, a ponto de a identificarmos rapidamente e nunca soar datado. Nick ainda não consegue o mesmo mas, como dissemos, já é possível notar que as gravações que ele entrega são feitas nos dias de hoje. Ele talvez não goste desse fato, se esmera muito para revestir o ambiente da maior fidelidade possível. É como se ele usasse ferramentas e tecnologia de 2016 para restaurar um Cadillac 1960. Este é o espírito que impregna todas as passagens deste álbum, o que não desmerece suas intenções, uma vez que ele tem três méritos compensatórios: é bom cantor, bom compositor e arregimentou uma banda impecável para acompanhá-lo. Aí fica fácil.

A química entre arranjo e composição é bem executada por Nick e pelo produtor Michael McHugh. O resultado é especialmente bem azeitado em faixas como It’s Time, que abre o disco, com uma pegada de orquestra de Jazz Pop, lembrando melodias que poderiam ser até mesmo de compositores como Lalo Schifrin ou Henry Mancini, numa onda que oscila entre Missão Impossível e Agente da U.N.C.L.E. Às vezes o molho dá mais ênfase ao aspecto R&B, caso de I Had Some Time (But I Spent It), cheia de solos de saxofone e órgão, que dão mais veracidade e consistência ao ambiente. Outra referência clara por aqui é uma sensacional formação dos anos 1960, Booker T & The MG’s, reverenciada por muitos como um dos mais importantes artistas do Soul/R&B instrumental de todos os tempos, que dá o tom exato da boa Straight Love Affair, sinuosa e convidativa.

Três outras canções merecem destaque: Stanyan Street, que tem quase oito minutos de groove pianístico de primeira linha, oscilando lenta e cinematográfica pelas caixas de som, abrindo mais espaço para solos de teclado e metais, é a melhor faixa do disco. A sensacional cover para Baby, I’m In The Mood For You, de ninguém menos que Bob Dylan, dá nova dimensão ao original, inserindo safadeza vintage por todos os cantos. A colaboração com o simpático Leon Bridges em Katchi, é outro ponto alto, uma vez que ambos são fanáticos por este clima da virada dos anos 1950/60 e colocam entrega e emoção em suas performances vocais a ponto de acharmos, mesmo por uns instantes, que estamos em outro tempo e lugar.

Sabemos bem que este álbum corre o risco de ficar a meio caminho entre a absoluta falta de novidade e a pouca fidelidade aos climas originais, mas, felizmente, Nick Waterhouse escapa destes dois extremos. Suas melodias são boas, sua dedicação é notável e ele surge como uma espécie de artista/estudioso deste tempo, capaz de soar bastante satisfatório na maioria das vezes. Não vai mudar o mundo, mas pode despertar no ouvinte a vontade de conhecer os originais e isso é sempre legal. Bom trabalho.

(Never Twice em uma música: It’s Time)

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BOM PARA QUEM OUVE: Eli, Mayer Hawthorne
MARCADORES: Jazz Pop, R&B, Rock & Roll

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.