Resenhas

Charlie e os Marretas – Morro do Chapéu

Banda paulista volta com disco dançante e cheio de alternativas

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Ano: 2016
Selo: Risco
# Faixas: 11
Estilos: Funk, Electro-Funk, Pop Alternativo
Duração: 38:01
Nota: 3.5
Produção: Charles Tixier e Gui Jesus Toledo

“Coração quadril, coração quadril, tu fica grau mil, seja dia quente ou seja dia frio”. Esse verso conduz o refrão da primeira faixa de Morro do Chapéu, o novo álbum da banda paulistana Charlie e os Marretas. O arranjo é um fogo cruzado de sonoridades intencionalmente datadas, convertidas em contemporâneas pelo vai e vem do tempo e se vale de recursos inusitados (ou que caíram em desuso nos últimos anos) como o uso de filtro eletrônico nos vocais, simulando timbres mecânicos e uma batida que deriva das canções híbridas do chamado Funk carioca mais recente. Tudo é pensado visando cobrir várias possibilidades de urgência total, procurando assumir a ponta de uma vanguarda Pop – se é que isso é possível. Ao contrário do primeiro disco, abertamente calcado nas sonoridades mais clássicas da música negra norte-americana/brasileira do início dos anos 1970, os Marretas agora entraram num DeLorean melódico e chegaram neste 2016 meio estranho.

O septeto investe pesado no uso desta liberdade estética que dá as cartas no Pop alternativo – este termo contraditório, mas que faz certo sentido. As referências são colocadas na mesa, com orgulho, apontando que a música produzida aqui conferirá ao ouvinte um certificado tácito de participar desta mesma suposta vanguarda da qual a banda se assume. Tudo bem. O universo dançante ainda é o principal norte do álbum, ponto de interseção com o primeiro trabalho. Se lá havia um decalque quase estudioso das estéticas do passado, aqui também há este desejo – que pode soar meio mecânico – de cobrir terrenos e tendências. O resultado por perder um pouco em espontaneidade mas propõe diversão para o ouvinte, além de identificar as passagens que têm efeitos nos vocais, os grooves que são decalcados de quem, as batidas que parecem com quais.

Por exemplo: o uso de vocais filtrados eletronicamente quase arruina a boa Chorume, que tem uma levada que parte do Tecnofunk do início dos anos 1980, mas passa por tantas releituras e aplicações de influências que quase perde o próprio DNA. A faixa-título, tem um acento de música eletrônica brasileira, bonito de se ver, tenta algum contato com algum elo perdido de canções mais orgânicas da produção de gente como mundo livre s/a, talvez, com bom resultado. Mil Desejos também é outro bom exemplo de canção Pop com alternâncias de climas, levadas e uma boa condução de guitarra ao longo da progressão melódica, tangenciando algum rabisco de standard Soul setentista.

Mais Norte/Nordeste chegam a todo vapor na melhor canção do álbum, a surpreendente Sentimentos, com um bom balanço percussivo e guitarras criando apenas boa pavimentação para a melodia caminhar em paz, ao som de versos como “sentimentos novos, sentimento velhos, sentimentos sempre vão e vão”. Um bom exemplo de como o grupo pode soar coeso quando abre mão de muitas influências simultâneas para centrar fogo num só caminho. Pronto Pra Te Amar também vai neste mesmo universo, procurando olhar para algo que poderia ser de Caetano Veloso nos anos 1980, com arranjo luminoso e bem feito. O nível cai com Dame Todo, perdida numa latinidade meio caricata que não funciona, melhora e avança um pouco com os climas de Ogene, levando o álbum para um fim em anticlimax, com a fraca Vai Tqc, que começa lenta e climática e desanda numa dança intensa ao longo da canção.

Morro do Chapéu é tem canções boas e outras fracas, todas intensas e provando que, em ambos os casos, há uma banda preocupada em acertar e levar sua arte para passear nos melhores caminhos. Este é o maior mérito do grupo, suficiente para esperar com ansiedade pelo próximo disco. Sem falar que, quando acerta no alvo, acerta pra valer.

(Morro do Chapéu em uma música: Sentimentos)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.