Resenhas

Trails & Ways – Own It

Grupo californiano se remodela em novo e belo álbum

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Ano: 2016
Selo: Barsuk
# Faixas: 11
Estilos: Pop Alternativo, Rock Alternativo, Dream Pop
Duração: 30:36
Nota: 4.0
Produção: Ian Quirk

Se você gostou de Pathology, o primeiro disco do quarteto californiano, justamente por um certo clima à beira mar, oriundo da influência da Bossa Nova, temos más notícias. Ela se foi praticamente por completo. Também partiram as duas integrantes, Emma Oppen e Hannah Van Loon. Como nada na vida acontece sem compensação, novas e boas influências estéticas vieram fazer parte de Trails & Ways neste segundo e interessante trabalho, Own It. Sai o clima de brisa do oceano e entra uma sensação de Rock Alternativo inglês da virada dos anos 1980/90, muito sutil, algo como se estivéssemos diante de um Stereolab sem as alegorias tecladeiras vintage. Também vêm juntar-se às fileiras do grupo as talentosas Kendra McKinley, Miriam Speyer, mais as vocalistas de apoio Madeline Kenney e Rebecca Redman. Os integrantes remanescentes, Keith Brower e Ian Quirk respondem pela produção.

Confesso que prefiro a interseção com a Bossa, justo por conceder ao som da banda, de matriz Indie Americana 00’s, um toque de excentricidade necessário aos nossos dias. Poucas formações por aí são capazes de brincar neste terreiro e os californianos tinham certa fluência no idioma, não só por terem morado no Brasil por um tempo, mas por serem bem fora dos padrões artísticos atuais. Pra início de conversa, a banda tem uma simpatia pelo socialismo como modelo econômico, algo que defende sem qualquer viés político-partidário, o que é bom, uma vez que depura o que de bom há nesta proposta, atualizando para 2016, um planeta mais preservado, riqueza melhor distribuída, garantias para idosos, crianças, minorias, ou seja, o que o bom senso nos diria ser o certo. Tal visão de mundo está amarrada ao álbum como uma espécie de conceito central, de ideia norteadora e funciona bem.

A investida maior é o no campo do Pop Alternativo animado, dançante e bem feito. Tudo tocado por humanos, zero concessões à eletrônica, lembra até alguma coisa de bandas do selo Minty Fresh, comoThe Cardigans em início de carreira, por exemplo, mas sem os vocais adocicados da musinha Nina Perrson. Get Loud e Happiness, as duas faixas iniciais do álbum, vão nesta direção com desenvoltura e fofura suficientes para nos ganhar logo de cara. Há detalhes como dedilhados de guitarra psicodélicos, teclados amorosos no pano de fundo, backing vocals femininos leves como o vento e um entrosamento Pelé/Coutinho, Romário/Bebeto, Neymar/Messi entre baixo e bateria, que dá gosto de ver. Quando o ritmo diminui a intensidade, surgem pequenas baladas mais contemplativas, que ainda ostentam uma beleza litorânea, caso de How Do I Turn, com cara de feriado na praia em meio de semana.

Outra novidade presente por aqui, além das já mencionadas, é um abraço mais forte e demorado à psicodelia californiana dos anos 1960, feita de um jeito tão gentil e amável que é incapaz de tornar datada ou catalogável facilmente a música do grupo. Coral Bleach e My Things são bons exemplos de como essas abordagens mais doidinhas podem fazer bem ao som do grupo, inundando as canções com cascatas de guitarras, vocais e timbres dourados de teclados, com belos resultados. Os vocais femininos tomam a dianteira na melhor canção do álbum, a bela Troubled, ressaltando ainda mais a conexão com Stereolab e bandas congêneres. Tudo tem elegância e propriedade, escapando por milhas de distância da mesmice sonora em voga, disfarçada de genialidade e pós-modernidade. A caminho do fim do disco, surge Ursula, uma canção com andamento New Wave, mas chique e cheia de ritmo, potencial dançante e lugar no coração de quem adora este tipo de criação, confirmando a teoria de que bons artistas e bandas são capazes de fazer belas músicas com nome de mulher. Não por acaso, Trail & Ways já havia composto a sinuosa Tereza no álbum anterior.

Se você deseja uma canção Pop próxima da perfeição, com boas referências, executada por bons músicos, pouco preocupados com as tendências da moda, aqui está o seu ancoradouro por um bom tempo. Ouça, cante, dance, se apaixone. De verdade.

(Own It em uma música: Ursula)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.