Resenhas

Jamie Lidell – Building A Beginning

Cantor e produtor inglês equilibra tradição e modernidade em disco sensacional

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Ano: 2016
Selo: Jajulin
# Faixas: 14
Estilos: Alt-R&B, Soul, Funk
Duração: 49:50
Nota: 4.5
Produção: Jamie Lidell

Jamie Lidell sempre pareceu ser mais um artista de música Eletrônica do que um adepto da música Soul. Sim, suas influências abarcavam ídolos da cultura negra, especialmente o pessoal dos anos 1980, que ousaram misturar justamente estes timbres sintéticos com as mais incendiárias levadas de baixo e bateria, Prince e Rick James à frente. Mesmo assim, ele ainda carecia de equilíbrio, de mais mistura e fluência na música dos afrodescendentes, algo que não é fácil. Tudo fica um pouco mais complicado quando o sujeito é inglês e não tem a proximidade com a coisa, com o ambiente, com a herança histórica. Lidell mudou-se para Nashville, no estado americano do Tennessee há seis anos, casou-se com sua namorada de muitos anos, montou uma banda e passou a viver por lá, gravando, pensando, compondo.

O resultado? Building A Beginning, seu sétimo disco, absolutamente soberbo, imerso na tradição clássica do Soul da mesma forma que trabalhos setentistas de gênios como Stevie Wonder estavam, estiveram e estarão. Você pode pensar que é um culto ao passado, mas a música Soul é um gênero com referências históricas fortes. Remete à escravidão, à contenção, à repressão. Captar estas nuances e convertê-las em alento e inspiração, de fato, é para poucos. O número de habilitados ainda diminui sensivelmente quando falamos de artistas não-americanos que se arvoram a tentar caminhar por estes campos. É proporcionalmente parecido com gente de fora do Brasil tentando fazer Samba. A ideia é a mesma. Lidell conseguiu e não abriu mão desta aura diáfana e moderna que sua obra tem como característica principal. Agora, no entanto, além de ser um artista de música Eletrônica, ele também ganha seu diploma afetivo de fluência Soul.

Ao lado de uma banda de oito integrantes, batizada de Royal Pharaohs, Jamie deu asas à imaginação e colheu os frutos de sua admiração pela música negra norte-americana, que andavam maturando. Deixou de lado muito do apreço pelas soluções sintéticas de estúdio e abraçou os formatos mais tradicionais. Há ecos de referências explícitas de Soul setentista, de grupos como Stylistics, logo na abertura da faixa-título, que também inicia o álbum, lembrando bastante a vertente sulista do estilo, não por acaso, da região na qual Lidell está instalado. Engana-se, porém, quem pensar neste álbum como nostálgico. Trata-se de uma rara apropriação de referências de cinco décadas e sua conversão em parâmetros totalmente atuais, algo quase milagroso. Gente que usou salto-plataforma e cabeleira black e curiosos wi-fi em geral poderão curtir em proporções semelhantes as canções e o climão que Lidell consegue oferecer por aqui.

Destaques? Inúmeros. A leveza e o carinho de Julian, canção que leva o nome do filho de Jamie, com balanço funky na medida certa, toda cheia de coros de apoio, sopros e raios de sol. I Live To Make You Smile, com amor apontando em todas as direções possíveis, levada ao piano, como grandes e atemporais clássicos. How Did I Live Before Your Love, no mesmo clima de “a vida não existia antes de você”, dedicada à esposa Lindsey Rome, que também participa do disco, e inspira o sujeito a se derramar assim. Walk Right Back, o primeiro single, com levada engenhosa de baixo e bateria, que servem de acompanhantes para a boa voz de Jamie desfilar em meio a efeitos de teclado e ecos de vocais de apoio, tudo belo e bem feito. Há espaço até para um flerte fortíssimo com o Gospel, traduzido na bela balada espiritural Motionless. A beleza maior do álbum chega, no entanto, na última faixa, a luminosa e soberba Don’t Let Me Let You Go, que parece ter sido gravada em câmera lenta e em velocidade normal ao mesmo tempo, com efeitos sensacionais de voz, teclados e tudo mais, sendo, justamente, a mais Eletrônica do álbum.

Com tradição e modernidade andando abraçadas, Jamie Lidell conseguiu equilibrar influências, resolver questões importantes e reaparelhar sua música para novas e “novas” audiências, revestindo suas criações com o verniz necessário para atingir distâncias emocionais que pareciam fora de seu alcance. Um pequeno milagre.

(Buyilding A Beginning em uma música: Don’t Let Me Let You Go)

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ARTISTA: Jamie Lidell
MARCADORES: Alt-R&B, Funk, Ouça, Soul

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.