Resenhas

The Wytches – All Your Happy Life

Trio inglês resgata lado sombrio da psicodelia em novo álbum

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Ano: 2016
Selo: Heavenly Records
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Garage Rock, Rock Psicodélico
Duração: 36:03
Nota: 3.0
Produção: Jim Sclavunos e Luke Oldfield

Sabe a Psicodelia? Aquela coisa colorida, com pontinhos que se movem em velocidades e direções diferentes? Todo mundo alegre e chapado procurando reproduzir sons impossíveis no estúdio, rindo de qualquer coisa? Então esqueça. Uma audição de All Your Happy Life, este segundo disco do trio inglês The Wytches, pode causar danos ao seu humor, é bom que se diga. Sei que é difícil levar essa frase para um lado positivo, mas há como fazer isso sem malabarismos. Na verdade, é bem simples de entender, se você estiver a par do que significa essa chapação musical para gente como The Velvet Underground, por exemplo, que dedicou sua curta existência a mostrar a possibilidade de uma doideira verdadeiramente escura, maligna e acachapante, tão atraente quando a mais lúdica das representações às quais estamos acostumados.

É o que este trio de Brighton consegue: misturar uma visão cinzenta/negra da vida com um Rock forte e garageiro/indigente intencionalmente, erguido para causar certo incômodo, seja pela barulheira das guitarras, seja pela aparente largaçao das melodias. É preciso cuidado, porque pouco é o que parece ser por aqui. Por trás do clima supostamente opressivo, há uma banda que sabe o que faz. Nada parece falso ou forçado por aqui, os sujeitos parecem estar à beira da desistência da vida em sociedade, interrompem suas canções com guitarramas enlameadas, o vocalista/guitarrista/organista Kristian Bell parece sempre a ponto de explodir suas cordas vocais e estourar amplificadores, tudo ao mesmo tempo agora. A cozinha de Dan Rumsey e Gianni Honey surge do meio do pesadelo, firme e forte, segundo as pontas das tempestades sônicas que surgem. Nem parece um trio surgido quando dois terços dele precisaram se mudar do interior para Brighton, uma espécie de Santos/Cabo Frio inglesa, para estudar na faculdade.

A primeira canção, C-Side, mostra en passant o talento dos caras para melodias. Em meio a um andamento marretado, surgem riffs harmoniosos e a voz de Bell, muito parecida com a de um Liam Gallagher adolescente e mais contido. O bom trabalho de guitarras aponta talento e trunfos ocultos nas mangas. A partir daí, a banda opta por valorizar seu ataque sônico em detrimento da habilidade em criar boas estruturas melódicas, o que não significa pouca fluência neste idioma, apenas uma escolha estética. Can’t Face It é bom exemplo, com a integridade das cordas vocais de Bell me preocupando seriamente. Além da mera primazia dos timbres e volume alto, há temperos que dão consistência ao resultado.

As intervenções de órgão, surgidas inesperadamente, como em A Feeling We Get, dão bom contraponto e acenam para alguma referência mais clássica e sessentista. Throned e Ghost House já investem mais na capacidade de articular o entrosamento dos instrumentos principais e preservar a permanência das guitarras em primeiro plano, enquanto Bone-Weary já aponta para alguma ressonância 90/00, talvez lembrando a banda australiana The Vines. Crest Of Death é outro momento em que me preocupo com as imagens das cordas vocais de Kristian Bell voando por todas as direções, enquanto um momento mais sutil surge a caminho do fim do percurso sonoro, materializado na elegante Dumb-Fill, com andamento pausado, órgão psicótico marcando o ritmo e uma performance vocal mais contida.

All Your Happy Life é um mergulho razoavelmente sincero nas sarjetas do Rock, um lugar que ficou perdido no tempo e no espaço, esquecido/ignorado. É válido que alguém resolva revisitar e reinterpretar esse sentimento cinzento, opressor e, por que não, niilista da vida líquida atual. Audição interessante.

(All Your Happy Life em uma música: C-Side)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.