Resenhas

Soft Hair – Soft Hair

Dupla faz discos interessante com abraço ao Pop cafona setentista

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Ano: 2016
Selo: Weird World
# Faixas: 8
Estilos: Pop Psicodélico, Pop Alternativo, Rock Alternativo
Duração: 32:49
Nota: 3.5
Produção: Connan Mockasin, Sam Dust

Houve um tempo, em fins dos anos 1970, que umas séries meio cafonas de ficção científica deram as caras por aqui. Buck Rogers e Battlestar Galactica eram interessantes e legais, mas continham uma boa dose de cafonice que ajudava a embalar o produto, as histórias, tudo mais. De vez em quando, a ação se passava em ambientes similares a boates, nos quais toda fauna possível de extraterrestes se encontrava e agia como se estivessem, de fato, numa casa noturna, dançando, bebendo, enfim, fazendo o que se faz nessas situações. Não raro havia uma banda tocando uma música híbrida, maluca, derivada de Pop e Disco, os ritmos que estavam em evidência naquele fim de década e continuaria ainda a dar as cartas. A dupla Soft Hair me lembrou essas atrações de boate alienígena, o que não é, necessariamente, algo ruim. Vejamos.

Connan Mockasin e Sam Dust têm origens difentes. O primeiro, neozelandês, é maluco de carteirinha. Definido por aí como um “artista psych”, o que quer dizer, literalmente, quase qualquer coisa possível. Já lançou discos solo, acompanhou a cantora francesa Charlotte Gainsburg e tem vários projetos. Sam Dust é inglês, egresso das últimas linhagens da Série B do Britpop. Ambos se encontraram, viram vários pontos em comum e decidiram formar a dupla, que estreia com este simpático álbum homônimo. A ideia principal é resgatar a estética e o modus operandi de velhos catadores de lixo Pop, como Beck, capazes de reempacotar e reciclar os detritos e fazer coisas mais ou menos novas. A comparação talvez nem seja tão precisa porque os sujeitos investem numa apropriação mais forte e respeitosa das estéticas Pop setentistas, especialmente a variante radiofônica, com mesclas interessantes com as vertentes negras do estilo, personificadas nas baladas e “slow jams”, as conhecidas “canções de motel”.

Sendo assim, as criações da dupla têm certa sensualidade, numa visão Discovery Channel da coisa. É tudo muito enlouquecido e anárquico, com humor ferino e permanente. No meio disso tudo, sobram a boa abordagem que eles fazem dessas convenções estilísticas. Ou seja, as canções são respeitosas dentro do que se propõem. Há ritmos lentos, aveludados, sedutores, decalcados do hit parade de R&B de 1978/79. É engraçado e surpreendente. O disco é curto, com duração de pouco mais de meia hora, dividida em 8 canções. Há climas de sobra em algumas, especialmente A Good Sign, que tem sons de ondas do mar e uma levada cheia de teclados e sintetizadores programados por gente que não está apenas de brincadeira. O single Lying Has To Stop vem logo emendado e abusa dos efeitos de voz e manipula as sonoridades na medida certa, não abrindo mão da melodia, que também vem embarcada na estética das slow jams moteleiras.

A primeira canção, Relaxed Lizard, tem percussão borbulhante, bateria eletrônica monotemática e um efeito que faz a voz de Mockasin soar como se fosse uma demo tape dos Bee Gees, fase Disco. É legal e muito, muito estranho. Jealous Lies também investe nessa onda, mas soa mais dançante e um pouquinho à frente, mais para Devo e sua visão amalucada de New Wave. Em In Love as vozes surgem novamente tratadas eletronicamente, parecendo miados ou mera canastrice vocal, abraçando com vontade todos os exageros possíveis. E o resultado não soa ruim, mas magneticamente estranho. Alive Without Medicine e l.i.v encerram o disco com mais bolhas coloridas, efeitos inesperados, adoráveis desrespeitos respeitosos pelas convenções e uma invejável ausência de noção.

Soft Hair, a dupla, é interessante e merece estudos. Soft Hair, o disco, é sério concorrente ao prêmio de álbum mais maluco da temporada, o que é algo bem legal. Ouçam sem preconceito e flutue em gravidade zero na pista de dança da melhor boate deste lado da galáxia enquanto é tempo.

(Soft Hair em uma música: A Good Sign)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.