Resenhas

César Lacerda e Romulo Fróes – O Meu Nome É Qualquer Um

Dupla grava um clássico moderno da música brasileira

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Ano: 2016
Selo: Circus
# Faixas: 13
Estilos: MPB, Samba
Duração: 43:12
Nota: 5.0
Produção: Carlos Lima, Romulo Fróes, César Lacerda

Se você conseguir um lugar tranquilo para contemplar a beleza que este álbum oferece, periga ser sua mais recompensadora experiência do gênero neste duríssimo 2016. Digo isso porque Meu Nome É Qualquer Um, disco gravado por César Lacerda e Rômulo Fróes é um alienígena nesses tempos efêmeros que vivemos e requer toda a sua atenção na hora da fruição. É coisa feita pra durar, ainda que tenha surgido bem rápido, a partir do encontro dos dois músicos neste ano. Cerca de dois meses depois, a dupla já tinha 20 composições, 13 das quais habitam este singelo lugar no espaço-tempo em forma de disco.

Gravado com o mínimo possível, ou seja, as vozes da dupla, seus violões, pianos e os instrumentos de corda (bandolins, guitarras e afins) conduzidos por Rodrigo Campos, o álbum se permite planar sobre os rincões mais tristes e líricos do Samba. Aquela parte do ritmo que não está no desfile de escolas do grupo especial ou no âmbito percussivo-engraçadinho. Aqui a coisa é triste, lírica, contemplativa, de pessoas que observam os passantes, que sentem os trancos, que vislumbram os binômios da cidade, tudo traduzido em uma beleza cinza, compadecida e massivamente brasileira. É algo que se faz plural nos ouvidos da gente, tamanha a ancestralidade que se espraia pelos acordes dos violões, pela voz anasalada César, pelo registro mais grave de Rômulo ou pelo turbilhão de letras lindíssimas/melodias rebuscadas que se sucedem nas treze canções.

À medida que o disco vai adentrando os temas, você se vê diante de algo familiar, mas que não é o Brasil, pelo menos não no sentido geopolítico do termo. Trata-se de uma viagem por um país emocional, que cabe dentro da gente. Coisas que já ouvimos por intermédio de gigantes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Paulinho da Viola ou João Bosco, tradutores desta nacionalidade intuitiva que está na alma da gente. César e Rômulo parecem dois velhos, no melhor do sentido, carregam um fardo de vivências que só gente com mais tempo no planeta, em tese, poderia carregar. Suas observações dessa metafórica entidade brasileira de cada um de nós revelam lampejos de tristeza mais sofrida, alegria mais esfuziante ou amor/sexo perfeitos.Tudo ganha mais foco e potência por aqui.

Confesso que não estava preparado para algo tão grandioso, disfarçado em arranjos econômicos. As letras vão se encaixando nas melodias, as emoções surgindo por toda parte. Há citações a clássicos atemporais da música brasileira, como, por exemplo, Teresinha, de Chico Buarque, famosa na voz de Maria Bethania, que deve ter sido o ponto de partida para a faixa-título, que te recebe na porta de entrada do disco, pronta pra conduzir o ouvinte por este mundo. Há espaço para severa crítica social em momentos como Estatística, onde a morte, o preconceito e toda sorte de manifestações que teimam em jogar contra a igualdade das pessoas são enumeradas. Há a beleza assombrosa do amor descrito em Faz Parar, na qual aquele sentimento indescritível de ser alvo de um olhar apaixonado, é minuciosamente definido em várias situações cotidianas. A coisa chega num ápice em Ponto Final, um samba em câmera lenta, sem percussão, no qual o Rio de Janeiro é mapeado com uma precisão que só seria possível por alguém que não é da cidade, que possui um olhar crítico e envolvido, num binômio de contradição, única chave para o entendimento. “Rio de Janeiro, redentor, nenhum Cristo poderia nos salvar (…)o relógio da Central é um tamborim”. Além delas, muitas outras: a bossa de Tique Taque, o caetanismo de Transa Qualquer Um e Antepenúltimo Paralelepípedo, a belezura de Em Mim, não há um momento mediano sequer.

Não há outro termo para definir este álbum que não seja “obra prima”, um misto perfeito de classicismo, tradição, modernidade e futuro, tudo ao mesmo tempo. A leitura emocional e emocionante que Frões e Lacerda conseguem aqui tem uma opulência só vista antes nos grandes clássicos da música brasileira, de muito, muito tempo atrás. Um triunfo.

*(O Meu Nome É Qualquer Um em uma música: Ponto Final*

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.