Resenhas

Dec. 99th – December 99th

Yasiin Bey prepara sua despedida com projeto colaborativo

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Ano: 2016
Selo: A Country Called Earth
# Faixas: 10
Estilos: Hip Hop, Hip Hop Alternativo, Eletrônica
Duração: 31:12
Nota: 2.5
Produção: Ferrari Sheppard

Ao que tudo indica, Yasiin Bey, o artista anteriormente conhecido como Mos Def, tornou-se um militante extremado e dedicado à causa contra o sistema. A carreira de Bey sempre teve viés político, algo que ele sempre aproveitou sem que perdesse a mão entre música e mensagem. Bem, pelo menos até agora. Dec.99th, o projeto colaborativo que mantem com o produtor Ferrari Sheppard, chega ao seu primeiro – e único – disco com uma proposta alternativa e experimental não confessa. Bey/Deaf, finalmente, perdeu a mão e não conseguiu entregar um trabalho equilibrado, pelo contrário: ao entregar a produção e todas as sacações musicais nas mãos de Sheppard, abriu mão de uma qualidade mínima, apostando em algo imponderável. Perdeu, meu caro, infelizmente.

Lamento porque tenho simpatia por sujeitos que largam tudo em nome de uma boa causa. O mundo de hoje se previne cada vez mais contra malucos assim e não é fácil largar as certezas – poucas – que temos em favor do mais absoluto acaso. Bey tornou-se um viajante, um andarilho político, escrutinando lugares, opinando em mídias alternativas, deixando pra trás sua carreira de rapper e ator, muitas vezes metendo-se em frias, como o recente episódio que resultou em sua prisão na África do Sul. Com Sheppard, um ex-jornalista e designer, ele tem planos de adentrar o mundo da moda, causando e expondo aqui e ali. Ainda não se sabe do que Bey fará após deixar o Rap, algo que ele já anunciou que fará, provavelmente, no início do ano que vem.

Sendo assim, este Dec.99th, o álbum, é um dos seus cantos de cisne. Em primero lugar é preciso esquecer os parâmetros mais tradicionais de Hip Hop e exercitar os limites estéticos, entendendo que Bey usou as dez faixas e seus pouco mais de 31 minutos como momentos de discurso e vociferação política. Até aí, nada demais, mesmo porque o estilo comporta facilmente este tipo de tema. O que irrita é que não há “rapping”, mas uma fala mansa em tom menor, com alguns momentos constrangedores de vocalises e malabarismos que colocam tudo a perder e exacerbam a paciência do mais compreensivo dos ouvintes. Em casos assim, tudo estaria mais ou menos perdoado se houvesse uma usina sonora, cheia de ideias interessantes, familiaridades com um bom sampling e uma ampla gama de convidados, como é comum em álbuns de Rap, certo? Errado. O estúdio só recebeu as visitas da dupla, em seu propósito econômico e minimalista. Perdemos todos.

As canções vêm sendo divulgadas na Internet ao longo do ano, dentre as quais, NAW e Blade In The Pocket, as duas canções que abrem o álbum, são as mais interessantes. Colocadas à frente das demais composições, elas dão certo alento ao ouvinte, que vê suas esperanças irem por terra aos poucos, à medida que a procissão de monotonia toma lugar e o leva por longos e excruciantes minutos, rumo ao fim do disco, que chega com a mediana Heri.

Torço para que Bey não seja lembrando por este álbum, algo que seria bem injusto com um artista legal como ele. Também desejo que, daqui a alguns anos, mais sábio e malandro, ele possa retornar ao ofício, mostrando para o público – novo e velho – o que passou nestes tempos de retiro. Repito: movimentos assim são raros e, no caso de um ativista como ele, a coisa aqui não parece puro marketing.

(Dec.99th em uma música:NAW)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.