Resenhas

Matthew Dear: DJ-Kicks

Figurão do Techno de Detroit solta boa compilação em forma de DJ Set

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Ano: 2017
Selo: !K7
# Faixas: 25
Estilos: House, Eletrônico, Pop Eletrônico
Duração: 65:15
Nota: 3.5
Produção: Matthew Dear

Ao longo das duas últimas décadas a música Eletrônica expandiu suas fronteiras, fazendo uma discreta, porém importante revolução: Saiu do espaço público e adentrou o plano pessoal. Explico: Ao longo dos anos 1980, época em que o estilo foi burilado e adaptado em suas formas mais concretas, sempre se teve em mente a audição em espaços coletivos, a saber, Boates, clubes, galpões. Também a fruição dessa música semper foi pensava no plano coletivo, como algo feito para essas audiências. Até aí, morreu Neves. O que importa é que, ao longo dos anos 1990, com os artistas underground daquela época fazendo sucesso, a indústria do disco os abraçou, além da produção dessas obras ter se barateado muito, possibilitando que os artistas elaborassem suas criações em seus quartos. Com isso, foi possível pensar nesta música como sendo algo pessoal, privado, feito para ser apreciado em silêncio, pensando.

Claro, várias vertentes surgiram a partir daí, sendo a IDM talvez a mais representativa. E antes disso, a partir de criações de gente como Brian Eno e Kraftwerk, já era possível vislumbrar esse aspecto, digamos, introspectivo da música sintética. Esta introdução enorme é para celebrar coletâneas como essa, da série DJ Kicks, elaboradas por artistas de todos os tipos, com alguma conexão referente às pistas de dança ou ao mercado de criação desta forma específica de música. Matthew Dear, nascido no Texas e criado na Detroit dos anos 1980, que deu origem ao que se entende hoje por Detroit Techno, é um desses sujeitos que entendeu as possibilidades eletrônicas aplicadas à produção Pop na década seguinte e deu asas à sua criatividade. Gravou vários álbuns e EPs e agora vem juntar-se ao grupo de organizadores/curadores de mais um volume desta série, cuja proposta é levar ao ouvinte a experiência de ouvir um set mixado, composto por favoritas do artista e criações pessoais. O resultado é bem legal.

Assim como outras séries importantes, Back To Mine e Late Night Tales, o legal por aqui é a alternativa de ouvir as canções como um set real de DJ, sem que haja interrupção entre elas. Funciona muito melhor e reproduz com mais fidelidade a experiência, além de conferir outra dimensão à música, dita, “pra dançar”. O set que Matthew coloca por aqui é bem diversificado, oscilando climas e conduzindo o ouvinte para pequenos climax, que vão se alternando pelo caminho. Com ênfase em artistas de House, o set vai se delineando surpreende já no começo, a partir de uma climática introdução com um remix para Ode, de Nils Frahm, que se emenda naturalmente a uma faixa inédita de Matthew, Wrong With Us, na qual a característica principal do artista é mantida: o uso da voz com vários efeitos, parecendo um relato pessoal e diário de vivências, tornado musical apenas por uso de artifícios no estúdio.

Matthew Dear também não se limita a utilizar grandes trechos das canções que escolheu, se valendo de pequenos recortes para montar seu quebra-cabeças, fazendo que a maioria de suas escolhas tenha duração não superior a três minutos, o que dinamiza ainda mais as alternâncias de batidas. Tudo permanece mais dançante e hipnótico, levando o ouvinte a ausentar-se da realidade, se não tomar o cuidado necessário para evitar. Como se não bastasse a fluência nas escolhas, Matthew ainda encontrou espaço para incluir duas canções suas gravadas sob seu pseudônimo, Audion: Starfucker e Brines, que se juntam mais para o fim do percurso, adicionando tonalidades totalmente próximas do Techno de Detroit, numa variação interessante do que costuma gravar com “seu nome de batismo”.

Assim como a própria música eletrônica – mutante, democrática e surpreendente – a coletânea de Dear é fiel ao que ele espera de uma fruição pessoal do estilo. Tudo funciona por aqui e as sonoridades servem para embalar até tarefas pouco relacionadas com dançar numa boate na noite, como faxinas, elaboração de textos e tudo mais. Boa pedida.

(DJ Kicks em uma música: Wrong With Us)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.