Resenhas

Thievery Corporation: The Temple of I & I

Dupla volta com álbum dedicado aos ritmos jamaicanos

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Ano: 2017
Selo: ESL
# Faixas: 15
Estilos: Reggae, Dub, Eletrônica
Duração: 60:14
Nota: 4.0
Produção: Rob Garza e Eric Hilton

A dupla norte-americana Thievery Corporation retorna ao disco com uma proposta bem semelhante à do trabalho anterior, Saudade: revisitar e reinterpretar uma influência cara e decisiva para a existência do próprio duo. Se o álbum prévio mexia fundo no baú da Bossa Nova e de uma música derivada desta, surgida nos anos 1960 no eixo Europa-Estados Unidos e ressignificada desde o início dos anos 1990, agora Rob Garza e Eric Hilton se esbaldam nas raízes Reggae e Dub de sua musicalidade. The Temple Of I & I é uma ensolarada viagem por uma Jamaica ideal, lugar que, segundo a dupla de produtores e multi-tarefas, é “um continente musical”.

O movimento que o duo empreende em relação ao Reggae e derivados também guarda outras semelhanças com que gerou o disco anterior. Assim como em Saudade, Garza e Hilton usam as influências como passaporte para adentrar um mundo em que se apropriar do estilo é o objetivo e não modificá-lo/reinterpretá-lo. Pode parecer decepcionante para fãs de quem surgiu no meio dos anos 1990, numa música Eletrônica extremamente revolucionária e independente. O Thievery, no entanto, se compromete a entregar belíssimas canções, arranjos totalmente legais e bem feitos, além de expor seu já conhecido critério com escolha de vocalistas convidados, outra semelhança com o disco anterior. Neste time de colaboradores vocais, temos gente já conhecida como as ótimas cantoras Lou Lou Ghelichkhani e Elin Melgarejo, mas também novidades e surpresas, como a ex-candidata a Miss Jamaica Racquel Jones e os rapper Mr. Lif e os reggaemen Notch e Puma. Essas inserções múltiplas dão mais profundidade ao disco, mostrando que Rob e Eric procuraram cobrir o maior território possível.

Há momentos de pura luminosidade pelo álbum adentro. A ideia de recriação de climas mais orgânicos – com banda – nos arranjos ressaltou o lado compositor dos caras, além de mostrar que eles são capazes de funcionar como músicos de uma forma mais natural. Exemplos disso estão na genialidade do crossover pancultural de Time + Space, cheio de contornos aveludados, tanto pelas guitarras e baixos, que se dobram, quanto pelos vocais em francês proporcionados por Lou Lou Ghelichkhani, dando origem a um adorável paradoxo étnico. A participação de Shana Halligan na maviosa Love Has No Heart aponta para um resultado muito próximo do que Morcheeba entregaria em seu início de carreira, com hibridismos e chapações na medida certa. A faixa com presença de Elin Melgarejo, Lose To Find, tem percussões e baterias Dub, ecos por toda parte, mas opta por seguir o caminho convencional de mixagem, deixando nossa mente pensar como seria um remix cheio de saturações no baixo. Um arranjo de cordas demolidor dá conta da belezura que temos aqui. Há momentos lindos em canções mais tradicionais, como em Babylon Falling e na soberba Drop Your Guns.

Duas canções são instrumentais e soam como se a dupla mantivesse um compartimento estanque para poder fornecer sua visão mais livre de padrões sobre os ritmos jamaicanos. A faixa-título é a mais fraca, abrindo mão do poder percussivo em favor de uma batida estéril, que naufraga em meio a uma ambiência de teclados, baixo e efeitos, dando noção do que seria se recebesse um melhor tratamento. A outra, Let The Chalice Blaze tem ousadia inventiva mas prefere cair de boca numa levada mais tradicional e cheia de paredes erguidas a partir da matadora linha de baixo e da integração desta com bateria tocada por humano e percussão apropriada.

The Temple Of I & I é um disco convencional de Reggae feito em 2017, sem o salto para o futuro, mas sem concessões ao passado como forma de nostalgia vazia. Tem elementos que transitam na própria essência da música jamaicana, presentes desde sempre, que conferem pedigree às canções e relevância para dupla. Qualidade, musicalidade, conhecimento de causa, tá tudo aqui. Serve como uma boa introdução do estilo para uma multidão de gente que pensa que só Bob Marley fez Reggae neste mundo de Jah.

(The Temple Of I & I em uma música: Time + Space)

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BOM PARA QUEM OUVE: Morcheeba, Quantic, Tricky
MARCADORES: Dub, Eletrônica, Reggae

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.