Resenhas

Juliana R – Tarefas Intermináveis

Cantora paulista abraça a Eletrônica em segundo álbum

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Ano: 2017
Selo: A Onda Errada
# Faixas: 8
Estilos: Eletrônica, Eletrônica Experimental
Duração: 35:29
Nota: 4.0
Produção: Paulo Beto

A audição de Tarefas Intermináveis, segundo álbum da cantora paulista Juliana R, demora pouco mais de meia hora. Terminamos com a sensação de que o mundo acabou num turbilhão de rotina, repetições infundadas, mecanização dos sentimentos, abandono da esperança por conta da imersão total num presente distópico que foi chegando sem ser notado e, quando nos demos conta, já nos havíamos transformado em pilhas para alimentar um sistema cruel, mais ou menos como em Matrix. No caso de Juliana, a alegoria é mais interessante. Sai a moça tímida do interior de São Paulo, transitando por terrenos musicais independentes mas convencionais e entra a musa gelada dos subterrâneos underground Eletrônicos, uma espécie de storyteller saída de uma crônica de William Gibson, uma blade runner sonora.

Apesar de convidativo, o primeiro parágrafo nem é tão preciso. Uma ouvida com mais atenção no primeiro disco de Juliana há de mostrar uma tendência pronunciada para a inadequação ao convencional/cotidiano, além de um vazio afetivo extremamente dolorido para ela. Se há quase dez anos ela traduzia isso por meios convencionais, usando o espectro Folk Indie para emoldurar suas reflexões, agora ela manda tudo às favas, abraça um kit de palco com voz e Eletrônica retrô noventista e manda versos como “você não vale nada”, em meio a efeitos sonoros que quase inviabilizam a apreciação de sua música, mas que, ao contrário de prejudicá-la, potencializa a revolta, a desesperança ou, como ela mesma diz, a objetividade.

Tarefas Intermináveis não é um disco Pop e nem aspira isso. Tampouco é um trabalho Synthpop feito por cantoras nórdicas inacessíveis. Juliana é aquela menina que vai no metrô junto da gente, que esconde um vulcão imagético e literato sob uma aparência normalzinha. Sua beleza simples aumenta o mistério na onda Jekyll/Hyde, dando mais força pro que está dentro dela sair e impressionar. Canções como Energia ou Reunião Inútil não foram feitas/pensadas para fazer alguém dançar numa pista, mas para cutucar o cérebro dessa gente com vara curta, colocando-as à beira do risco, da reflexão, quase como se oferecesse um vislumbre do mundo real, expondo-as ao ridículo de ver suas vidas previsíveis. Juliana não gosta nada disso, preferia talvez o ócio criativo de Marx ou a incursão pela Nova York mitológica de The Velvet Underground, talvez sua maior e mais implícita influência.

Tantas críticas a gente vê por aí em relação à corrupção da arte pelo consumo e pela mídia. Há, no entanto, maneiras de usar o sistema contra ele mesmo e ouvir essas estocadas musicais. O disco está disponível para audição na Internet, e ostenta a produção de Paulo Beto (Anvil FX) que oferece o clima e a moldura sintética indispensáveis para dar ao álbum um clima de pós-mundo. Alguém já dizia, lá pelos anos 1990, que o mundo havia acabado e poucos notaram. Talvez seja isso que Juliana quer nos dizer. Ouça.

(Tarefas Intermináveis em uma música: Energia).

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.