Resenhas

Giovani Cidreira – Japanese Food

Cantor e compositor baiano lança álbum impressionante

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Ano: 2017
Selo: Balaclava
# Faixas: 12
Estilos: Rock Alternativo, MPB
Duração: 50:10
Nota: 4.5
Produção: Giovani Cidreira, Nancy Viegas, Tadeu Mascarenhas

Algumas reflexões me assaltam quando ouço álbuns como este sensacional Japenese Food, estreia “cheia” do multinstrumentista e arranjador Giovani Cidreira: Já imaginou uma minissérie global abrindo com uma canção do quilate de Vai Chover? Já imaginou um artista capaz de romper a linha (imaginária) entre Rock nacional e MPB, enxergando que, num país como o Brasil, ambos se retroalimentaram em diferentes momentos? Já pensou se um programa de incentivo ao artista, legal como é o Natura Musical (responsável pelo lançamento e confecção do disco) tivesse mais e maior amplitude, de modo a prover os artistas independentes nacionais de condições para lançarem mais e mais discos, faixas, conseguindo, assim, romper o cerco da grande mídia, que parece disposta a mostrar música nacional de pior espécie para sua audiência?

Provocar reflexões é uma das funções da arte, meus caros e caras. A ideia é circunavegá-la e sair pensando sobre várias coisas. No caso de Japanese Food, como eu disse, as ideias vêm e vão, tamanha é a estatura deste álbum. Há muito tempo não ouço um artista jovem brasileiro abraçar estéticas tão distintas da música nacional e dominá-las tão bem. Giovani é jovem, o que sugere, além de um talento enorme, uma erudição (no bom sentido) musical, daquelas que a gente adquire ouvindo, ouvindo e ouvindo muita coisa, sem preconceitos, sugando e absorvendo tudo como esponja. Ele passeia por sonoridades que lembram Belchior, Milton Nascimento, entre tantos artistas brasileiros dos anos 1970, soando natural, pertencente ao nosso caótico 2017, sem parecer que está manipulando signos do passado, pelo contrário. Sua verve se manifesta desta forma, como se ele estivesse preservado de todo o mal. Ou não. O fato é que este disco contém composições que rompem o tempo sem que Giovani precise recorrer a expedientes acessórios.

É mais um desses artistas com cara e jeito de gente normal, mas o sujeito se expressa por piano, violão, baixo, bateria, sintetizador, arranja, bate escanteio e cabeceia para as redes. Num painel sonoro tão rico, proposto por faixas com instrumentos convencionais, restando pouco ou nenhum espaço para Eletrônica, Giovani enfatiza também as palavras. Há referências românticas certamente autobiográficas, que credenciam os relatos a mais e mais níveis de observação por parte do ouvinte, bem como demonstram coragem e peito aberto por parte do artista. Por outro lado, ao mesmo tempo em que Cidreira opta por versos como “alguma coisa mudou nosso vento” ou “eu não posso mais passar por isso, gastando tentativas de futuro e agora”, ele mostra que domina uma poesia menos econômica que o habitual, tudo numa canção como Última Vida Submarina, para o desfecho fatal: “ela descobriu que vive bem sozinha” ou “os bares fechados pra nós”. É uma contemplação da vida com um caderninho de anotações do lado, enxergando/nomeando sensações. Parece simples, mas Giovani consegue pequenos milagres com esta visão.

Japanese Food não tem faixa ruim. Algumas são tão belas que chegam a desconcertar o ouvinte. Vai Chover, já mencionada lá em cima, já abre com “a franqueza nunca teve o cuidado de sua calma”, mostrando que algo bem diferente está por vir. Pássaro Prata, uma alegoria supostamente simples para o avião, leva a distância entre as pessoas para novos níveis. Santa Fé tem ótimo trabalho de violões e guitarras, com mixagem e arranjo que lembram alguma obra perdida no meio dos anos 1970 e resgatada, devidamente revisitada. O romantismo explode por todos os cantos de Eu Não Presto, com “saturno” rimando com “absurdo” e tudo a que tem direito. Cantoria é quase canção de ninar cheia de tristeza, Estrada Provisória é delicada, Crimes da Terra é próxima do Rock, mas se espalha por alternativas mil. E…opa, o disco acabou já?

Giovani Cidreira entra com legitimidade e merecimento para a primeira prateleira de artistas brasileiros com este álbum. É uma grande, enorme realização, sutil e imponente. E convidativo. Venha.

(Japanese Food em uma música: Última Vida Submarina)

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BOM PARA QUEM OUVE: Lucas Santtana, Carne Doce, Maglore
MARCADORES: MPB, Ouça, Rock Alternativo

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.