Resenhas

Walter Martin – My Kinda Music

Ex-The Walkmen faz disco afetuoso e belo

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Ano: 2017
Selo: Family Jukebox
# Faixas: 10
Estilos: Folk Alternativo, Pop Alternativo
Duração: 31:08
Nota: 4.5
Produção: Walter Martin, Phil Ek

Ouvi este terceiro álbum de Walter Martin e terminei com muita vontade de ser amigo dele. Explico: Walter, talvez mais conhecido por sua presença dividindo o comando de The Walkmen até a banda anunciar seu hiato por tempo indeterminado, entrou em uma carreira solo extremamente fértil. A proposta é fazer algo que eu poderia chamar de “comfort music”, aquelas musiquetas com instrumental simples, derivando de voz/violão, com efeitos e malandragens muito sutis, falando de amizade, camaradagem e vida em harmonia. Não por acaso, seu primeiro trabalho, We’re All Young Together (2014) foi direcionado para o público infantil. Com o seguinte, Arts + Leisure (2016), ele procurou levar o mesmo espírito, fazendo o que chamou de “música para gente crescida”, mantendo essa abordagem neste ótimo My Kinda Music, uma verdadeira joia em meio a lançamentos planejados e gestados tendo valores de mercado em mente.

Sim, porque Walter não vai vender, tocar no rádio, ser aclamado na mídia por conta de seu trabalho solo, levando-nos a crer piamente que está fazendo o que gosta, o que quer e seguindo seu coração. Mais que qualquer clichê antissistema, fazer o que se gosta e quer é o maior segredo para a felicidade e, a partir disso, ser um transmissor dela para as outras pessoas. É dessa energia e sentimento que as pessoas precisam e a desconexão com vantagens/riquezas materiais separam gente como Walter e seu violão dos falsos portadores de verdades e regras para o sucesso. Parece uma viagem a milhas de distância do que o disco trata, mas não é. Mesmo que o site de Walter Martin diga que as canções contidas aqui são para serem ouvidas enquanto fazemos panquecas ou dirigimos o carro com a família, há um propósito maior nas pequenas coisas e esta pouco mais de meia hora que você passará em companhia do sujeito valerão muito.

Com a produção do próprio Walter e do sujeito que comanda os álbuns de Fleet Foxes, Phil Ek, My Kinda Music é muito mais uma conversa de amigos do que um disco e isso é ótimo. Isso não significa que haja desleixo no quesito melodia/harmonia, porque todas as faixas grudarão no seu ouvido por motivo diferente e você não precisará de grandes esforços para notar o cuidado com vocais de apoio, solos de guitarra, bom uso de baixo acústico e toda uma preocupação em levar adiante uma música que pode ter origem nas canções para shows televisivos e/ou desenhos animados, mas que também tem origens profundas na tradição Folk de melodias viajantes de cidade para cidade, pegando caronas nos trens e nas boleias de caminhão. Mas as letras são pequenos abraços no ouvinte. Canções como The Wishing Well, sobre moedas em fontes de sorte e tudo o que pode vir da ingenuidade em acreditar nisso, passando pela beleza cortante de Trip On A Ship, cujo verso “When I think of the Summer I think of the day that you got me to say I love you”, surge em meio a uma letra de variações de amor e pequenos gestos à medida que as estações do ano vão passando umas sobre as outras. Tudo funciona.

Variações dessa lógica de beleza/simplicidade vão surgindo ao longo das canções, todas com charme próprio, com momentos de brilho intenso: The Everglades descreve uma viagem da família para os pântanos da Flórida, passando pelo caminho que une Washington D.C, terra natal de Walter e o estado sulista e como podem surgir várias situações imprevistas na jornada, às vezes colocando tudo a perder. Marco Polo é um momento em que a tal “música para adultos” é democratizada para que toda a família cante a letra facílima e que une todos num adorável estado de semi-idiotia às vezes bem necessário. O fecho com a angelical It’s A Dream (Night Version) é um extenso e afetuoso desejo de “boa noite” a várias pessoas, parentes, amigos – alguns já falecidos – e pequenas considerações sobre carinho e bem querer.

Este é um disco afetuoso e raro pros dias de hoje e ninguém falará nada dele em português, isso é certo. Ouça de qualquer maneira e conte para o maior número de pessoas.

(My Kinda Music em uma música: Trip On A Ship)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.