Resenhas

In Venus – Ruína

Disco de estreia surpreende como uma obra do novo Punk brasileiro

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Ano: 2017
Selo: Howlin' Records/Hérnia de Discos/Efusiva/PWR Records
# Faixas: 9
Estilos: Noise Punk, Shoegaze, Dream Pop
Duração: 32:00
Nota: 4.5
Produção: Lucas Lippaus

Há uma regra não escrita do Design que se aplica perfeitamente à música: se algo na obra não pode ser justificado, não deveria estar lá. Quando nos voltamos para a produção e composição, é comum ouvir frases como “tal reverb soa bem”, ou que esta linha de sintetizador ficou “muito bonita”. Ironicamente, acabamos desvalorizando a contribuição destes elementos, aparentemente pequenos, para o sentido geral da composição. Incrementar um arranjo com algo deve ser extremamente planejado e, caso a finalidade seja meramente estética, estamos desrespeitando alguns preceitos de honestidade e sinceridade primordiais da música.

Felizmente, há quem entenda o valor de cada nota e o quarteto paulistano In Venus revelou ser um mestre desta disciplina. Com o feroz single Mother Nature, a banda chamou atenção pela sua atitude Punk misturada a elementos oriundos do Shoegaze e, até mesmo Dream Pop, uma mistura bastante interessante. Entretanto, esses elogios sequer fariam jus ao que realmente estava por vir, fazendo o “interessante” ser enfiado goela abaixo de qualquer crítica ou base teórica.

Ruína é um dos discos mais crus de nossa geração. Não dizemos isso no sentido técnico da produção de áudio, já que os reverbs e as distorções são grandes parceiros da banda. Este trabalho nos entrega a realidade como ela é, sem tempero e preparo. A maturidade com a qual são expostos os temas reflete a dificuldade de alguns temas. In Venus abraça o Feminismo com força e, assim, sente-se na obrigação de expor a dureza do cotidiano, digerindo temas difíceis como abuso, luta, força, medo e amor. O disco por si só já revelaria grande destaque apenas por esta parte temática, mas a genialidade também vem da forma como a produção do disco é feita para dialogar com as sensações destes temas, utilizando técnicas de mixagem, efeitos de guitarra e voz para trazer estas emoções de forma plena ao ouvinte. Como dito antes, aqui nada está colocado para ficar bonito.

Cada faixa tem um cosmo particular de sensações, que é potencializado pela parte instrumental do disco. Youth Generation abre com uma ríspida batida Post-Punk, abusando de reverbs para criar desorientações que até Ian Curtis ficar alucinado. Better Days é mais lenta, o que não significa menos tensa, à medida que traz sonoridades hipnóticas para falar de futuros diferentes. O single Mother Nature é a canção mais submersa do trabalho, à medida que nos faz mergulhar cada vez mais fundo nas densidades das angústias femininas. What Do You Fight For é a mais pesada das músicas, misturando uma linha agressiva de baixo com uma polifonia confusa. Inverno Da Alma encerra esta experiência destruidora e explosiva com uma convocação à luta, concluindo com a frase “O tempo da espera, da espera é chegado ao fim”.

In Venus marca sua estreia com força não só no cenário independente, mas na música brasileira. Com uma obra completa e que abrange diferentes significados para diferentes ouvintes, a banda prossegue com um status de desbravadora, nos proporcionando a certeza de que novos lançamentos devem ser atenciosamente averiguado por todos. Um disco que deixa claro a frase célebre na camiseta de Kim Gordon: “Girls Invented Punk Rock, Not England“.

(Ruína em uma faixa: What Do You Fight For)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique