Resenhas

Roger Waters – Is This the Life We Really Want?

Cantor e baixista do grupo Pink Floyd retorna com belo disco solo

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Ano: 2017
Selo: Columbia/Sony
# Faixas: 12
Estilos: Rock Progressivo, Rock
Duração: 54:02
Nota: 4.0
Produção: Nigel Godrich

Há alguns dias, escrevi um artigo cutucador no qual propunha uma questão: qual Roger Waters que daria as caras em Is This The Life We Really Want?, este novíssimo álbum? O sujeito que ajudou a inventar uma sonoridade progressiva própria na virada dos anos 1970, escrevendo o nome de sua banda, uma tal de Pink Floyd, na história? Ou o velho amargurado que tornou-se a partir dos anos 1980, assombrado por fantasmas existenciais e discos qualquer nota? A resposta é: nenhum dos dois. Quem está por trás das canções e das melodias deste álbum é um novo Roger, que enfatiza algumas de características mais relevantes, mas que soa revigorado, reenergizado, relativamente pimpão e pronto para se apresentar para uma geração de admiradores indiretos de sua verve como compositor, mas que só o conhecem pelo que escreveu há uns 40 anos. Aqui está o Roger Waters de 2017, felizmente.

A presença do produtor Nigel Godrich à frente das gravações foi decisiva para o álbum funcionar. Com ele, Waters consegue força para soar relevante e novo, na medida do possível. Quando digo isso, faço questão de frisar que ele nunca foi um músico conhecido por experimentações e ousadias, portanto, seria em vão esperar algo assim agora. O que temos no lugar disso é Roger dominando com maestria as suas composições, além de uma ótima safra delas. São rocks básicos e amargurados, que contestam o estado de coisas do planeta, no que se tornou a humanidade nesses últimos anos. Poucos têm tanta autoridade para questionar isso quanto ele, que já criticava imbecilização em massa, ganância, opressão, violência, fascismo e educação robotizada antes desses temas ganharem as publicações “culturais”. Sim, Roger Waters sempre foi um militante da música, um cara com mente aberta, progressista, antimonopólios, antiopressão. Apenas para constar.

Além de Godrich, estão presentes músicos legais e com boa folha de serviços prestados ao Rock dos anos 1990 em diante, especialmente o tecladista Roger Manning e o baterista Joey Waronker, que dão uma refrescada nas progressões e abrilhantam várias passagens. A voz de Roger está castigada pelo tempo, tornando-o quase um velho diabo que chega para cobrar boletos bancários atrasados. E são boletos deixados por todos nós ao longo do caminho. A humanidade, infelizmente, ainda deixa temas de sobra para uma boa crítica, especialmente de quem já faz isso há muito tempo. Sendo assim, Trump, BrExit, poluição, violência, recrudescimento dos fascismos, preconceito, tudo é motivo para Waters mirar sua velha metralhadora e atingir vários alvos na mosca, mas talvez o que seja mais atingido seja o do indivíduo que burla as leis e as normas no plano pessoal para reclamar da coletividade com cinismo imperdoável. Os olhos do velho veem tudo.

Destaques por toda parte: Dejá Vu, o primeiro single lançado, é uma cacetada nas elipses de problemas, na triste constância de problemas humanos nunca resolvidos, ainda que haja oportunidades de sobra para tal. A voz sussurrada de Broken Bones em oposição a um triste cello mostra o clima entristecido do disco, de forma sutil e bela. A faixa-título cutuca novamente o estabilishment com mais cordas bem orquestradas, mas com a voz de Waters assumindo um tom ameaçador, herdado diretamente de produções floydianas do passado. Bird In A Gale envereda mais por instrumentais bem feitos e ruídos caóticos de vozes e gravações colocadas na meiuca, outra marca registrada do passado do sujeito, abrindo caminho para surpresas, caso de The Most Beautiful Girl, uma singela valsa ao piano/bateria, que vai sendo engolfada por tonalidades mais sombrias mas que arremetem ao céu como sempre. Outra canção antecipada ao álbum, Smell The Roses, surge como uma das gravações mais roqueiras que Roger já fez, preparando o ouvinte para o final entristecido de Wait For Her, uma inequívoca canção de ascendência floydiana, que deságua na contemplativa Oceans Apart, um minuto e pouco de violão olhando o mar gelado ao longe. Por fim, Part Of Me Died é sintomática em seu título, o que mais dizer?

Is This the Life We Really Want? não traz Roger Waters experimentando programações eletrônicas, mergilhando em sonoridades da World Music ou abraçando o Country, pelo contrário, tem o mérito de oferecer um retrato novo do artista, que se mostra por completo, sem qualquer elemento que o faça parecer diferente do que se tornou: um velho, amargurado, que teima em achar-se capaz de vencer quem/o que lhe causou dor. Como condenar um homem assim?

(Is This the Life We Really Want? em uma música: Dejá Vu)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.